Chegamos sozinhos no mundo.
E saímos dele da mesma forma.
Mesmo assim, nossa passagem por aqui só tem sentido quando estamos com outras pessoas, quando compartilhamos nossas vidas.
Porque quando chegamos, invariavelmente há alguém que nos acolhe.
E quando partimos, quase sempre fica aqui alguém que sentirá a nossa falta.
Isso é coisa que todos nós sabemos e que de vez em quando alguém diz por aí.
Mas eu só falo disso, porque agora estou sozinha fisicamente, e nem fui eu que escolhi exatamente assim. Gosto de momentos de solidão, mas amo gente, amo pessoas, adoro abraços e beijos de boa noite. Meus pais se mudaram, meus irmãos se casaram, o irmão solteiro mora longe, e meu casamento aconteceu e desaconteceu quase mais rápido que uma goma de mascar na boca. E foi a partir de então que eu vi que era comigo que a vida teria que seguir. Tipo, “Marvim, agora é só você...” Eu poderia ter consolo, mas ninguém sentiria minha dor. Eu poderia ter abraços reconfortantes, mas nenhum deles poderia mudar meu destino feito mágica e de repente afastar o cálice que me cabia. Mais do que nunca era a minha vida e pela primeira vez eu decidi que teria que ir pra longe da minha família. Sozinha. E eu morria de medo disso. De uma certa forma, fui criada pela D.Galinha Cuidadosa e pelo McGyver. Não havia problemas que eles não resolvessem, mesmo os meus. Quantas vezes meus irmãos já me tiraram de sérias enrascadas em qualquer hora do dia, da noite ou da madrugada?!! Mas eu tinha que provar pra mim mesma que conseguia sozinha, que eu não era mimada e nem era incapaz. Então eu fui. Pareceu fácil num mundo de celular, internet, telefone, vôos promocionais e asfalto. Mesmo assim, Deus facilitou pra mim, porque lá longe encontrei outra família pelos laços do coração, encontrei proteção e encontrei um novo amor (que infelizmente não pode estar aqui comigo). Nunca me senti só e isso acabava me deixando um pouco dependente. Agora eu volto e o panorama está diferente. A minha casa está vazia e quando a madrugada se aproxima, os únicos barulhos que ouço são os estalidos dos móveis ou ruídos de insetos lá fora. E cara, morro de medo do escuro! Durmo com o timer da TV ativado, e se preciso ir ao banheiro, acendo todas as luzes. Um barulho diferente faz minha barriga esfriar. Minha vizinha já me convidou pra dormir em sua casa, e no início eu até aceitei. Outras vezes, vou pra casa da minha irmã, onde tem gente, gato, cachorro, coelho, crianças, barulho!!! Mas aquela lá é a vida dela, e essa aqui é a minha. E então eu estou aqui pensando que sempre tive medo das coisas. Pra começar, demorei pra nascer, e fiz minha mãe sofrer em tratamentos para a gravidez ir adiante. Segundo ela, eu tive medo do mundo. Mas nasci e, droga, tinha um monte de coisas que eu precisava enfrentar por aqui. Eu tinha medo de ser chamada atenção na escola, então sempre fui aluna padrão. Nunca colei até a 8º série, juro, mais por medo que por princípio. Tinha medo de bonecas. Tinha medo delas ganharem vida, por isso nunca quis ter uma Barbie. Nunca disse ao garoto que gostava do Nirvana que eu gostava dele. O nome dele ta gravado no meu violão até hoje: Reinaldo! Ele próprio escreveu seu nome com a ponta de uma chave no meu violão novinho (na época) e eu não disse nada. Eu o ouvia tocando as músicas do Nirvana todas as noites e nem coragem pra dizer que não gostava de Nirvana eu tive! Às vezes, acordava no meio da noite com medo de meus pais morrerem e ia bater na porta do quarto deles. Adormecia na cama deles e acordava na minha! Mágica!Rs! Tive medo de notas vermelhas, por isso agüentei a pecha de CDF por vários anos e conquistei um passado todo azul. E eu tinha medo, tinha medo e tinha medo. Nem sempre eu era boa. Às vezes eu era só medrosa. Algumas vezes o medo me impulsionava, outras vezes travava a minha existência como um segurança ameaçador na porta de um lugar que eu queria muito entrar.
E agora eu estou aqui, sozinha, me apaixonando outra vez pelo Matt Damon (amor, você não precisa se preocupar com isso! O Matt Damon não existe de verdade, ta?!) e descobrindo que no silêncio, tomar coca-cola é deixar o mar entrar na sua boca e modificar toda a sua existência durante aquele instante. Tentem isso em casa e perceberão que o som da coca cola é o encontro do mar com a areia. Boca litorânea. Eu daria muitas coisas para estar no litoral agora e dormir de conchinha, mesmo nessa primavera quente. No entanto, tenho mil dragões para vencer e não quero ser covarde com minha existência, não quero mais morrer de medo. A essa altura, não acho que isso vá mudar. Eu sou cheia de medo, até escorrer nos olhos, até ressecar a ponta do cabelo. E tem gente que me acha corajosa! (...)
Mal sabem que as decisões que tomo passam por um milhão de hesitações até se concretizarem. Coragem não significa ausência de medo. Significa não fugir quando é necessário estar presente. Significa não desviar os olhos quando é necessário encarar.
Quando o filme acabar, eu vou desligar a TV e vou dormir.
Porque há sim o que temer. Por toda parte. Viver é perigoso. O mundo é repleto de perigos e ameaças.
Mas eu não sou indefesa. Ninguém é. E eu sei que existe em mim um dispositivo que me fará passar por mais uma noite sozinha, porque ele já me fez passar por muitas coisas que achei que não seria capaz antes. Essa idéia me ilumina.
Quando algo nos ilumina, o escuro não parece mais tão assustador assim...
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Estrelinhas para os Titãs, pra Jesus e Chico Buarque, pro Matt Damon no filme O Bom Pastor e pro Guimarãe Rosa em Grande Sertões: Veredas.