terça-feira, 16 de abril de 2013

FIQUE COMIGO, SEJA LEGAL

                                                      Salvador Dali que me perdoe...


Estava eu a esperar na porta.
Veio o tempo, fez a proposta:
- Coroarei você com experiência. Com ela você pode adquirir o mundo necessário e caso queria, pode ir até além do necessário. Em troca você me dá o colágeno, os planos que prescrevem agora e a facilidade para metabolizar gorduras e doces.
Pergunto ao tempo:
- Isso é uma alternativa?
- Infelizmente não.
- Fazer o que? Deixa aí o que trouxe. Leva o que pede! Volta depois... Mas se quiser ficar, não me oponho!
- Você bem sabe que mal existo, mas que nessa malexistência eu faço efeito em seus olhos, em seu corpo, em sua mente, em seu coração... É até estranho me chamarem de convenção enquanto vocês se guiam por calendários e relógios! Paradoxal, não é?! Sou mesmo "o cara"!!!
- Pode se vangloriar... Não ligo. Mas se eu acordar de novo com essa dor nas costas, amaldiçôo você.
- Ora, por que me culpa?
- Porque é culpa sua. Antes não era assim, essa dor na coluna. Agora é. Logo...
- Logo você estagnou. Não fez o que era preciso enquanto eu passava. Não resmungue. Aceite e se mexa! Alongamento, movimento, essas coisas ajudam, sabia?!
- Você acelerou e me deixou mais lenta... Não é justo.
- Você tornou permanente tudo o que era pra ser transitório. Não reclame.
- Você me fez de palhaça quando eu fiquei sem saber o que era trolar.. Ave, isso não é do meu tempo. Que verbo é esse?!!!
- Mulher, que tem eu a ver com isso? Nunca imaginaria inventar essa palavra!
- Mas fez aquele menino crescer. Dia desses peguei o garoto no colo, falei com vozinha animada, imitei bicho? Agora ele tá com quase 2 metros de altura, me chamou de tia na rua. Tem até CNH!
- E...
- Uai, vai dizer que não tem nada a ver com isso? Me chamar de tia? Porque não chamou de vó logo de uma vez... Nem sou tia dele...
- ...
- Qualquer um nascido em 92 pode votar, me namorar, se candidatar a vereador, prefeito, ser pai, mãe...
- Natural!
- Natural? Eu dei aula no maternal pro povo de 92. Isso é surreal!
- (...)
- Ah, tá?! Continua sem ter nada com isso? E os efeitos colaterais? Isso é coisa sua... Fui brincar com meu sobrinho. Fiquei entrevada depois, gemendo até pra virar na cama.
- Extravagância sua.
- Sacanagem sua, isso sim!
- Certeza? Eu é que teimo em fazer coisas das quais não sou mais capaz?
- Não sou capaz? Está insinuando o que? Tá dizendo que estou velha demais pra isso?
- Eeeeeeeeeeeu?!! Essa é boa!
- Se eu achar que sou capaz, posso ser sim, ué! Você acha que sabe passar e eu não sei? Eu sei sim! Pensamento é vida!! Vontade é tudo!
- Que lindo! Então pratique! Step by step, oh baby...
- Nóooooo, step, by step? Nem eu pensaria numa frase tão new kids on the block assim!! De new não tem nada!!
- Tipo você, né?!
- (...) Vai, zomba mesmo... Olha, tá bom por hoje... Toma aqui o que veio buscar. Não vai ficar zombando aí todo senhor do destino, tambor de todos os ritmos...
- Eu posso, amor!!! Mas se puder perceber, você também pode. Você não sabe se existe tanto quanto eu.
- Claro que existo...
- Prove!
- Anéim... Eu penso, eu existo, ué! Que conversa é essa? Olha eu aqui sentindo seus efeitos na carne e na alma... Existíssimo! Super existo.
- Não sei se você tem tanta convicção assim. Contudo, ainda acredito ser possível reunirmo-nos num outro nível de vínculo.
- Tempo, tempo, mano velho, falta um tanto ainda, eu sei...
-  O suficiente pra não se atrasar! Quanto a mim, sou sempre Just in time!
- Melhor que Justin Bieber...
- Nossa, com o tempo você só piora seus trocadilhos... Fica just in fame!!
- Touchê!!!Com o tempo, né?! Pelo menos isso é culpa sua!!!!
- Tudo seu é falar em culpa. Já é tempo de superar isso. Você faz pésimos trocadilhos e transfere a culpa pra mim?!!!! Responsabilize-se, assuma alguma coisa!
-  Já assumi nas postagem abaixo.
- (...)
- Aff
- Tá bom... Só vim mesmo pra ver seu rosto balzaco! E quer saber? Nem parece!
- Ah... Obrigada pela espinha bem no meio da minha bochecha! Ameniza as coisas!
- É... Tenho esse dom!

E o tempo fez uma super piscadinha e passou!

 

quarta-feira, 3 de abril de 2013

ASSUNÇÃO (PARTE 2)



Sou homossexual.
A única coisa que isso quer dizer é que romanticamente sou atraída por pessoas do mesmo sexo que eu.
Nada mais.
Isso não interfere em meu caráter, na filha que sou, na irmã que sou, na profissional que sou, na pessoa que sou e nem no meu papel na sociedade, no mundo.
Isso não quer dizer que uso bermudão, que coço o saco e que tenho toda a coleção de Ana Carolina e Adriana Calcanhoto. Isso não quer dizer que seja necessário estereotipar tudo como se tudo fosse a mesma coisa. Não é.
No meu caso, minha identidade se harmoniza com meu corpo, com minha condição. Amo ser mulher, anseio a maternidade, gosto do meu corpo e dos seus ciclos.
Eu não achei bonito gostar de mulher e decidi ir lá gostar. Ser homossexual não foi uma opção. Se eu pudesse optar, eu escolheria o lado mais fácil, mais convencional. Seria hetero, lógico! Iria me casar com um homem e não enfrentaria problema algum de ordem religiosa, psicológica ou política.
Não escolhi desejar e sentir. Escolhi orientar o meu desejo e o meu sentimento.
Mas...
Nem sempre foi assim.
Já namorei homens, já me apaixonei por homens, já me casei com um homem e há pouco tempo quase me casei novamente com outro homem. No intervalo entre esses homens surgiu um sentimento que se desenvolveu de uma forma muito dolorida dentro de mim.
Tal sentimento se tornou sensação, um desejo que na época eu pensava ter que aniquilar, embora minha vontade fosse de vivenciá-lo sem culpas.
Ah, a culpa... Filha da nossa compreensão pseudo-cristã da vida...
Ela nos faz metamorfosear de humano para extra-terrestre, nos torna uma anomalia, uma aberração.
Passei a acreditar que tudo o que diziam de negativo sobre a homossexualidade era verdade e passei a lutar contra toda essa vida que palpitava em mim, asfixiando com a mão algo que poderia ser bonito, mas que meus olhos enganados enxergavam apenas o pecado.
Circula na doutrina espírita (que agasalha meus anseios religiosos) a hipótese de que existe uma programação para nós e que se nasci homossexual, devo me esforçar para canalizar essa energia para algo Bom e Belo como a Arte e preferir a abstenção. Dizem também que numa relação sexual entre pessoas do mesmo sexo não existe uma troca de energias a que chamam de "retroalimentação", e que tudo o que é vivenciado entre homossexuais é desperdiçado energeticamente falando.
Munida deste pensamento, sufoquei quem eu era por anos, crente de que fazia a coisa certa. Frustrava homens e mulheres e a felicidade que eu almejava experienciar num relacionamento parecia cada vez mais distante e desbotada, algo utópico demais para quem eu estava me transformando.
Quando me casei com um homem, não objetivei criar uma fachada hetero para convencer o mundo. Eu acreditava no que fazia e talvez pudesse ter dado certo, não fossem outros problemas totalmente indiferentes à minha orientação sexual. Novamente solteira, o chamado não cessava. E eu cedi por algumas vezes... E feri pessoas que esperavam que eu assumisse o que era sem medo. Não fui capaz de assumir. Eu havia decidido lutar com unhas e dentes para ser a pessoa perfeita, sem fraquezas. Precisava canalizar, me envolver com a arte, trabalhar, trabalhar. Ou eu me absteria ou viveria como heterossexual. Ocorre que o chamado que antes sussurrava dentro de mim, agora berrava em megafones. Era obsessão ou trauma? Por quê? Por que?
Comecei a fazer terapia. Acreditei de todo o coração que se eu tivesse um casamento convencional, uma família convencional, eu estaria cumprindo com o que constava em minha imaginária "programação cármica". Acontece que ficou visível que meu esforço era um soco no estômago de quem queria me oferecer ajuda e amor sinceros e era uma sabotagem contra mim. Minha  auto sabotagem. Eu me tornava infeliz e não tinha condição de colaborar para a felicidade de ninguém com quem eu me envolvesse.
Olhava para as coisas belas que eu tinha e não conseguia plenitude. Era como se eu tivesse ganhado um carro importado lindíssimo e não pudesse pagar seus impostos.
Não, aquilo não podia ser o certo. O amor deveria fluir e ser natural. Deus não é essa represa.
Após anos, quando se tornou quase insustentável conter a gama de sentimentos que me invadia, decidi finalmente (não sem lágrimas) que o melhor era mesmo assumir quem eu era, assumir o que eu sentia e pensava e assumir as consequências de uma decisão dessa natureza, que são diversas.
Foi o que me libertou. Embarcar me libertou. Decidir embarcar me libertou.
Na mesma doutrina em que alguns posicionamentos me fuzilavam e fuzilavam a tantos como eu que com o coração aberto empreendiam lutas quixotescas contra os próprios sentimentos, encontrei apoio, alento, consolação e esclarecimento.
Não. Não sou uma aberração. Não sou uma anomalia como um trevo de quatro folhas ou um sexto dedo na mão.
Sou um ser que ama. Não reduzirei à simples bolha genital a energia mais poderosa do universo que destrói e cria mundos inteiros. NÃO. Não vou me abster e construir hipocritamente uma máscara que não tenho condição de sustentar.
Porque sou filha de Deus e Ele vibra em mim como infinito, como AMOR.
Quando amo, posso expressar o deus que há em mim, posso ver que a felicidade é um jeito de andar e posso plantar e colher flores.
Porque existe amor em mim e isso é tudo o que de mais valioso eu posso ofertar ao mundo.
Minha opção é amar.
E o amor, como diz cumpade meu Quelemém, o amor possui muitos caminhos...
*
*
Eu tive a sorte de viver esse processo rodeada de pessoas cheias de luz.
Agradeço à toda minha família que me aceita e me ama exatamente como sou (pai, pela coisa toda incondicional, mãe, pelo esforço que fez para destruir e reconstruir conceitos, Jane Canoa por sempre ter entendido sem eu ter que explicar), ao psicólogo Luiz Benigno, ao Emmanuel (sim, o espírito!!) aos doutores Andrei Moreira e Gibson Bastos pelo esclarecimento consolador, ao Max (cumpade meu Quelemém) por toda a luz do conhecimento que propaga, ao amor que me salva do Luiz H e da Vã (incondicionais), da Ieda, Caio, Sergitos e Marcelita, da Bia e Cia (família escolhida), do pessoal do Caminheiros do Bem, do Alvim, do Costinha e da Dani, do Adelino, da Patrícia e da Janice, e finalmente agradeço à Gabriela por abrir meus olhos e me fazer enxergar que a liberdade e a felicidade pulsam na simplicidade do Amor Vivido.
À você dedico a canção final!!!

Quando Fui Chuva
Luis Kiari e Caio Soh

Quando já não tinha espaço, pequena fui
Onde a vida me cabia apertada
Em um canto qualquer acomodei
Minha dança, os meu traços de chuva
E o que é estar em paz?
Pra ser minha e assim ser tua

Quando já não procurava mais
Pude enfim nos olhos teus, vestidos d'água,
Me atirar tranquila daqui
Lavar os degraus, os sonhos e as calçadas

E assim, no teu corpo eu fui chuva
Jeito bom de se encontrar
E assim, no teu gosto eu fui chuva
Jeito bom de se deixar viver

Nada do que eu fui me veste agora
Sou toda gota, que escorre livre pelo rosto
E só sossega quando encontra tua boca

E mesmo que em ti me perca,
Nunca mais serei aquela
Que se fez seca
Vendo a vida passar pela janela

Quando já não procurava mais
Pude enfim nos olhos teus, vestidos d'água,
Me atirar tranquila daqui
Lavar os degraus, os sonhos e as calçadas

E assim, no teu corpo eu fui chuva
Jeito bom de se encontrar
E assim, no teu gosto eu fui chuva
Jeito bom de se deixar viver.