sábado, 21 de outubro de 2023

As palavras que são pra você

 Parece que há dias sem nenhuma melodia.

Apenas uma longa pausa, onde não incide quase nenhuma luz.

Essa pequena luz que me faz continuar buscando os dias de sol, a alegria, vem de fontes indeléveis no meu coração. Sua existência é uma delas. Não programamos isso, mas quando você, sem querer, me mostrou Deus através de Mahler, me deu um presente luminoso pra eu nunca me demorar na sombra. E você me deu ferramentas, me fez querer ser excelente no que eu me propusesse. Me disse: Faça a coisa. E venho assumindo essas frases pela vida, te citando para desconhecidos e descrevendo meu destino. Você me deu essa melodia que ouço lá no fundo do silêncio, uma sinfonia secreta capaz de desfibrilar meu coração.

Sempre penso em você com respeito pelos sonhos que buscou, por ser quem é aqui ou em outras partes do globo e com a ternura e o afeto que a arte nos deu.

Desejo que nos dias da sua vida onde a luz não incidir demais, que a força luminosa que me deu pra eternidade se transforme em um quasar e você tenha alegria e nunca se esqueça de quem é!

Adiante e radiante. 

Seja Feliz!






terça-feira, 24 de maio de 2022

O frio que faz

 Existe essa dor que intensifica com a queda da temperatura.

Dói o dente, os ossos, as juntas e dói o coração.

O nervo se contrai e a saudade dilata.

Não deveríamos vagar na melancolia.

Estamos aqui. Sobrevivemos. Alegrai-vos! 

Mas silêncio...

Num piscar de olhos, a dor aparece.

E deixamos ali os dias de paz.

É...

É o frio que faz quando faz frio.

quarta-feira, 11 de maio de 2022

SAGITTARIUS A*

 No centro da Via Láctea existe uma fonte de rádio astronômica brilhante e muito compacta, perto da fronteira das constelações de Sagitário e Escorpião. Apesar de brilhante, é um buraco negro supermassivo.

Os astrônomos avisam que amanhã, 12 de maio, quinta-feira, às 10h, vai sair sua foto e há quem compare esse momento com a chegada do homem no solo lunar.

Eu aguardarei a foto. Aguardarei participar, talvez, de um momento histórico da humanidade que talvez ninguém se lembre, ninguém aguarde, ninguém se verá transformado, fora os astrofísicos, por uma foto, cuja complexidade, a ciência sabe, mas só sei de ouvir falar.

O que sei é que buracos negros são a distorção do espaço-tempo, esse tecido do universo, feito de 4 coordenadas espaciais. Acima/Abaixo, Direita/Esquerda, Frente/Trás e o Tempo. Quando essas coordenadas ficam extremamente distorcidas, de onde nem a luz escapa, há um buraco negro. O mistério, o profundo.

Pode ser que no universo existam micro-buracos negros distorcendo meu tempo, meu espaço, fazendo essa dissociação que chega na beira de me ensandecer. Dentro do meu cérebro, na fronteira das sinapses, supermassivos podem surtir efeitos ilógicos. Não vejo tudo enquadrado e nem tenho remoto controle, mas como uma segunda pele, um calo, uma casca, uma cápsula protetora, eu quero chegar antes, mas não dá. Estou numa esteira, eu corro, eu suo e permaneço cansada, querendo agradecer, mas tendo que correr sem sair do lugar, enquanto relógios me envelhecem sem perdão. Enquanto as estações mudam, as aves migram, surgem as rugas e nada muda de verdade no universo onde me prendi. Em outros universos, talvez eu seja a heroína captando a luz com uma câmera, enquanto o Sagitário A Estrela, longe de sugar a luz, permite-se ser revelado nos multiversos em que meu cavalo só falava inglês.

A foto é a antítese dos buracos negros. E pensando bem, os vampiros vieram de um deles. Eu vim pra te ver.


sexta-feira, 9 de abril de 2021

INFERNO ASTRAL?

 Às vezes eu me sinto flutuando na atmosfera que o tempo criou entre tudo o que eu fui e o que sou agora. Eu tenho todas essas dúvidas e certezas, esse conformismo que como um calo enrijece uma imperfeição que tinha valor e brilho. 

Não sei se atualmente você gostaria de se sentar para tomar um café comigo, ou um cappuccino com samantilhas. Não sei se com tudo o que caminhei na superfície ainda posso ser companhia interessante ou relevante. Nem sei se sou mais uma pessoa bondosa, preocupada com os destinos do mundo e não sei como cheguei até aqui.

Eu poderia dizer que as circunstâncias me impeliram para esse lugar como uma tromba d`água que te pega de surpresa durante mergulho despreocupado no rio. Mas  não é verdade. Sei que não foi assim. Vi tudo acontecer lentamente, apertei todos os botões, moldei cada rampa de acesso com as mãos, com as ferramentas para aparar arestas e aprimorar a obra. Eu tive a consciência de que eu estava fazendo o melhor de mim, o melhor com tudo o que eu sabia e que estava aprendendo. Eu tive a consciência de que eu não fiz o melhor.

Nesse silêncio gelado, o que a vida tem realmente a dizer? Aqui no oásis, sem filhos do meu ventre, sem conquistas materiais, com inseguranças demais, apegos demais, medos demais, porém num entorpecimento confortante que pode até ter me distraído, vivendo sob a sombra de outra pessoa, o que eu tenho a dizer, o que legitima minha fala?

Eu queria saber o caminho de volta para as coisas que me traziam felicidade sem culpa, leveza sem câmera anti-gravidade. Há uma pandemia e zumbis, desgosto, política e enquanto milhares morrem de fome, eu engordo complacente entre a dieta e os aplicativos de comida.

Como é que a gente sabe que tá feliz? Como é que eu sei se você está?

E o fim é com a música do A-HA:

So, please now

Talk to me

Tell me things I could find helpful

For how can I stop now

Is there nothing I can do

I have lost my way

Por favor, agora fale comigo / Me diga, coisas que eu poderia achar úteis /Como eu posso parar agora?Não há nada que eu possa fazer? Eu perdi o meu caminho...


terça-feira, 24 de novembro de 2020

Michele

 

Às vezes acho que minha vida é um risco no papel carbono que tomou rumo diverso da matriz, descreveu novos traços e linhas e me recita agora. Soa como se eu fosse um verso exótico, mas ainda assim com rimas preciosas que nem sempre reconheço. As coisas já não soam tão familiares. É tudo novo e preciso me acostumar, aprender os nomes, os métodos e as circunstâncias para não definhar.

A droga do espelho mostra um rosto envelhecendo, um bigode chinês, pouco poder de voto e pouca vontade de votar, de cantar...

Estou aprendendo, com entusiasmo, sobre aviões em um canal do youtube. Em outra página, até mesmo na matriz, acredito que eu poderia fazer a mesma coisa. Muitas coisas seriam iguais e outras, paralaxe.

Vem chegando a madrugada e eu sei que se minhas escolhas fossem diversas, eu não poderia afirmar que seria mais feliz do que aqui. Meu pai morre em todos as páginas, até nas biografias não autorizadas e imaginárias da minha vida. Há coisas que não podemos alcançar de qualquer jeito. A gente não consegue mexer nas engrenagens de Deus. A gente mal sabe lidar com as nossas engrenagens, com essa confusão consentida, épica, esse motor sem rotação ou girando rápido demais, ou fazendo tudo ao mesmo tempo. Nem os cavalos suportam os motores.

Há uma pandemia e ela não é mais caótica do que alguém com tantos privilégios se imaginar de vez em quando tendo a cabeça decepada por uma guilhotina, ou se imaginar presa em um poste, levando flechas no corpo como São Sebastião. São sobras da escassez? São escombros da solidez ou dificuldades normais das novas edificações?

Não tenho palavras alegres e cheias de luz. Há dias bons, mas não formam palavras. Já melancolia escreve poemas crônicos.

Continuo amando Engenheiros do Hawaii e convivendo com mais engenheiros do que nunca, mas não acho que amar uma mulher seja um absurdo, como diz a canção. Amo uma mulher. Ela é engenheira. O amor não é absurdo. A vida, às vezes, sim. Nós não estamos no Havaii.

 

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

A cor da tinta

"Eu não sabia que doía tanto
Uma mesa num canto, uma casa e um jardim"


No início foi uma anestesia. Pareceu tudo tão claro. Era a lei, me cabia acatá-la, respeita-la e resignar-me, seguir confiante de que tudo estava no lugar.
Mas um dia sucedeu outro dia, e a cada dia eu sentia que mais um pouquinho da alegria me faltava. Era como se a cada vez que eu abria os olhos de manhã, despertasse comigo uma sensação de mutilação.Não era um braço, uma perna, um dente ou um rim que faltava. Era um pedaço que parece que não cicatriza. Toda manhã é a mesma sensação na alma. 
Inexoravelmente passou a ser uma palavra dura, pesada, embora com espessura de uma lâmina muito afiada: não seremos como antes.
Sua presença está em tudo, pai. E se antes eu não te ligava todo dia, agora a primeira e última prece do dia são direcionadas ao seu coração, mesmo assim, pai, não poder ver o tracinho azul da visualização e o status "digitando" do outro lado, tem doído, meu velho.
E eu teria tantas coisas pra dizer, embora imaginasse que tivesse dito o essencial enquanto você estava aqui do nosso lado. Não sei se as digo em sonho, se você vem mesmo ou são apenas delírios. Será que já pode nos ouvir?
Hoje seria seu aniversário aqui nessa frequência. Acredito que vamos comemorar essa data enquanto estivermos por aqui. Celebrar com gratidão o quanto você foi e continua sendo absurdamente importante em nossas vidas, tanto que sua ausência atordoa e dói. Não é minha intenção te incomodar onde está agora. Tomara que esteja bem, na companhia daqueles que te amaram e que foram antes. 
Nós estamos indo bem aqui, da maneira que podemos... Mas pai, a tinta da saudade está em um pote infinito e tem uma cor indefinida. Será que vai ser estranho eu te desejar feliz aniversário?
Eu achei que ia saber, mas fiquei um pouco mais perdida do que já era...
Está difícil configurar rota, caber em algum espaço, me sentir parte de qualquer coisa e estar integralmente em algum lugar, porque quando você partiu, eu parei de me encaixar.
Tivemos dois dias de sol, mas começar a chover de novo...