sexta-feira, 30 de novembro de 2012

PARTIDOS AO MEIO

 
*Ei, dor, eu não te escuto mais. Você não me leva a nada...
 
Fato é que dói existir. Talvez seja inevitável.
Ocorre que existir sem que a dor possa nos conduzir a um destino, mesmo que desconhecido, é alimentar a dor de existir com a dor de não ver sentido em nada que existe, ou em tudo que existe. Isso é quase insuportável. É uma retroalimentação de dores que não nos move avante, mas que nos faz rodar no eterno retorno do mesmo.
Sendo assim, ao redor do eixo da existência, o sentido de qualquer coisa implode e se perde em si, no suposto nada, no ralo que nem havia.
Para ver sentido, viver o sentido e não se desintegrar, mesmo continuando a existir, é preciso crer em algo... Na ciência, na matéria, em Deus, deus, deuses, deusa ou só acreditar no semáforo, no avião ou no relógio. Porque não crer em nada, em absolutamente NADA, também é insuportável. Todavia, não basta crer e viver apartado daquilo em que se crê. Andar paralelamente ao que se crê, é alimentar a hipocrisia, pois, a priori, paralelas nunca se cruzam. Não há encontro, há divisas. Na hipocrisia somos partidos ao meio. Eu vejo de perto a vida em que acredito, mas vivo outra vida que mais me convém. Ou não convém. Não a mim. Estou no convés quando o leme era meu.
Sim, porque se eu assumir a vida na qual acredito, precisaria também assumir a dor e todas as conseqüências igualmente dolorosas que exigem de mim um calcinatio.
No entanto, se eu negar a vida, a dor, as crenças e as conseqüências, eu nego a perfeição do mundo e nego a mim mesma. Escancaro as portas do meu reino para que meus piores inimigos se instalem. Inimigos que nascem em mim, de minhas negas. Negações!!
A depressão entra e abre a geladeira, senta no sofá da sala, liga a TV no futebol, abre a cerveja que ela mesma comprou, coloca os pés na mesa e arrota. E por mais que eu não possa admitir, ela é minha convidada. Se não tenho a vida que quero, não quero a vida que tenho. Infeliz e formidável abracadabra do pensamento. E a insatisfação se esbalda.
Não moro em lugar nenhum, nada cabe em mim. Não me encaixo, mas me queixo, porque é o que me cabe fazer, mesmo que tudo se acabe, já que estou fora do eixo, no deserto em desalinho.
Eu já sei... Aprendi que esse caminho é solitário, que nas chamas eu preciso aceitar e não julgar minha própria dor.
Ei dor, eu te vejo e te abraço. Se você está aqui, sou capaz de lidar com isso. Sou capaz de deixar que você me faça crescer e me transforme em alguém melhor do que consegui ser até aqui.
E é assim que me vejo renascer e percebo o desabrochar de todo o sentido das coisas do mundo. Ao assumir a vida, eu encontro a redenção. A verdade que liberta é a assunção.
Devolvo ao meu íntimo o amor que eu me devia. Esse amor me realinha e me torna integral. Já não sou partida ao meio, nem me sinto tão sozinha, pois eu sei que você é minha continuação.
 
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* O Sol de Antônio Júlio Nastácia.
E outras estrelinhas para o cumpade meu Quelemém!
 

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Você é filho do Universo, não menos que as árvores e as estrelas.

Vejo meus irmãos se encolhendo diante das nuvens negras e das ameaças que vêm de longe.
Morrendo de medo do outro, de tiros, de fantasmas, das contas, do resultado do jogo, de vírus, epidemias, cataclismas, bactérias, do caroço da azeitona.
Morrendo aos poucos enquanto as células se renovam.
E sinto que muitas vezes esses mesmos medos habitam minha alma, entrando pelos furos provocados por um pica pau invisível, tão sacana quanto aquele dos desenhos.
Chegamos no alvoroço das amizades e nos frustramos perante o mar que se agiganta enquanto nos encolhemos.
Um mar de lama e caos gerando frutos do falso acaso que nos provoca espanto.
Colecionamos milhares de motivos para justificar nossa fuga, nossa desilusão.
Mas só se desilude quem se iludiu, baby. Quem evitou a verdade.
A verdade sempre esteve ao alcance de todos, mesmo das mentes mais dispersas, alheias.
As vezes ela dói, mas é só na entrada. É como uma garota que perde a virgindade.
Dói, depois melhora. Depois os filhos vem disso, o frutos, o prazer, a fonte da própria vida!
Já a desilusão é uma dor pungente, que aniquila sem oferecer o alento, uma luz que compense as perdas e que te conduza a um sono tranquilo à noite.
Somos imensamente maiores do que qualquer mal que se insinue, seja aqui, nas favelas, no senaaado, nos confins da África, da Ásia, de qualquer lugar.
A gente não precisa morrer à esmo, sem respostas. A gente não precisa de fundamentalismos para ver que o fundamental é o mais simples. A gente não precisa de um fenômeno para acreditar que uma semente se torna árvore.
A gente não precisa acumular reclamações no alforge pra ver que os nossos pedidos importantes foram todos deferidos.
Por que a gente não se solta dessa estaca e se deixa levar no fluxo da vida, do nosso tempo?
Por que a gente precisa querer explicar tudo imediatamente? Alívio imediatamente. Prazer imediatamente. Paz imediatamente.
Nem a semente vira árvore imediatamente.
Nada é pra já. Os escafandristas virão e o mar será colorido como o mar de Procurando Nemo.
Como nós quando encontramos uma relíquia sentimental que perdemos anos atrás. Cores ao redor!!
As coisas precisam do tempo para se definirem.
Nós precisamos de tempo pra ver que há luz em tudo, que há perfeição em tudo.
O que é isso tudo que nos adoece senão um fragmento da eternidade?
Estamos assim no mundo, parte dele, partindo para o futuro para no futuro ser e estar em tudo, como qualquer coisa criada antes e depois de nós.
Você é filho do Universo, não menos que as árvores e as estrelas.
 
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Se todos os astros do mundo num certo momento caíssem no chão
Toda uma série de estrelas, de poeira descarregada dos céus
 Mas os céus sem os teus olhos já não brilharão.
 Se todos os homens do mundo levantassem a cabeça
 E saíssem voando, sem explicação
 Sem a sua bagunça, seu doloroso barulho
 Não pulsaria a terra, pobre coração.
 Me falta sempre um elástico pra segurar as calças
 De modo que as calças no momento mais belo me caem no chão.
 Como um sonho acabado, talvez um sonho importante
 Um amigo traído, eu também já fui traído, mas isso é outra canção.
 No escuro do céu, cabeças brancas peladas
 As nossas palavras se movem cansadas, balbuciamos em vão
 Mas eu tenho gana de falar, de ficar escutando.
 Fazer papel de bobo, seguir fazendo tudo o que me der na telha, ou não
 Ah! felicidade

(Felicitá, Chico Buarque)

Estrelinhas para o sempre Chico Buarque, para um texto provavelmente encontrado na Igreja de São Paulo, em Baltmore, para o Renato Russo, e para Rodin, que hoje é dodlle!!!