*Ei, dor, eu não te escuto mais.
Você não me leva a nada...
Fato é que dói existir. Talvez
seja inevitável.
Ocorre que existir sem que a dor
possa nos conduzir a um destino, mesmo que desconhecido, é alimentar a dor de
existir com a dor de não ver sentido em nada que existe, ou em tudo que existe.
Isso é quase insuportável. É uma retroalimentação de dores que não nos move
avante, mas que nos faz rodar no eterno retorno do mesmo.
Sendo assim, ao redor do eixo da
existência, o sentido de qualquer coisa implode e se perde em si, no suposto
nada, no ralo que nem havia.
Para ver sentido, viver o sentido
e não se desintegrar, mesmo continuando a existir, é preciso crer em algo... Na
ciência, na matéria, em Deus, deus, deuses, deusa ou só acreditar no semáforo,
no avião ou no relógio. Porque não crer em nada, em absolutamente NADA, também
é insuportável. Todavia, não basta crer e viver apartado daquilo em que se crê.
Andar paralelamente ao que se crê, é alimentar a hipocrisia, pois, a priori,
paralelas nunca se cruzam. Não há encontro, há divisas. Na hipocrisia somos
partidos ao meio. Eu vejo de perto a vida em que acredito, mas vivo outra vida
que mais me convém. Ou não convém. Não a mim. Estou no convés quando o leme era
meu.
Sim, porque se eu assumir a vida
na qual acredito, precisaria também assumir a dor e todas as conseqüências
igualmente dolorosas que exigem de mim um calcinatio.
No entanto, se eu negar a vida, a
dor, as crenças e as conseqüências, eu nego a perfeição do mundo e nego a mim
mesma. Escancaro as portas do meu reino para que meus piores inimigos se
instalem. Inimigos que nascem em mim, de minhas negas. Negações!!
A depressão entra e abre a
geladeira, senta no sofá da sala, liga a TV no futebol, abre a cerveja que ela
mesma comprou, coloca os pés na mesa e arrota. E por mais que eu não possa
admitir, ela é minha convidada. Se não tenho a vida que quero, não quero a vida
que tenho. Infeliz e formidável abracadabra do pensamento. E a insatisfação se
esbalda.
Não moro em lugar nenhum, nada
cabe em mim. Não me encaixo, mas me queixo, porque é o que me cabe fazer, mesmo
que tudo se acabe, já que estou fora do eixo, no deserto em desalinho.
Eu já sei... Aprendi que esse
caminho é solitário, que nas chamas eu preciso aceitar e não julgar minha
própria dor.
Ei dor, eu te vejo e te abraço.
Se você está aqui, sou capaz de lidar com isso. Sou capaz de deixar que você me
faça crescer e me transforme em alguém melhor do que consegui ser até aqui.
E é assim que me vejo renascer e
percebo o desabrochar de todo o sentido das coisas do mundo. Ao assumir a vida,
eu encontro a redenção. A verdade que liberta é a assunção.
Devolvo ao meu íntimo o amor que
eu me devia. Esse amor me realinha e me torna integral. Já não sou partida ao
meio, nem me sinto tão sozinha, pois eu sei que você é minha continuação.
*
*
* O Sol de Antônio Júlio Nastácia.
E outras estrelinhas para o cumpade meu Quelemém!