
Desejar é uma característica dos seres imperfeitos.
Claro, a perfeição não deseja nada, por se bastar.
Se é assim, Deus ou os deuses não desejam nada de nós.
São perfeitos e se bastam.
Nós estamos aqui à deriva, à mercê dos nossos próprios desejos e de suas consequências
O desejo é mais que ter vontade. A vontade é ação e movimento.
O desejo é metafísico, mora na cabeça da gente e nem sempre se expressa.
Alguns ficam atrofiados lá no coração, no cérebro ou no útero.
O feto da mulher grávida (meio pleonasmo) que não teve um desejo atendido, nasce com a cara do desejo que ela teve. Pensa, se ela desejou comer abacaxi e não comeu (vai ser mãe de um rei ou de um punk!), ou se quis comer pepino (vixi) ou fruta do conde. Minha mãe desejou comer figo quando eu era feto e nadava no ventre dela. Se ela não tivesse comido, seria uma tristeza, porque um figo cortado ao meio parece muito uma... Deixa pra lá.
Criança que deseja e não pode ter, fica aguada. De onde vem essa expressão? Lá em Minas se fala muito em “ficar aguado” (ou talvez seja agoado). "
Não mostra isso pra Pedrinho não, tadinho. Ele gosta e não pode. Vai ficar aguado."
Bom, quem souber, me explique, que eu vou ficar feliz!
O desejo quase sempre é provocado. Pode ser por uma pessoa fazendo cara de “quero devorar você”, pode ser um chocolate ou um bolo confeitado, podem ser os incríveis apelos da mídia, que de uma hora para a outra faz o brega que você detestava ficar chique. E agora você deseja tudo o que desprezava antes.
Alguns desejos, os reprimidos, dão um nó no estômago das pessoas. Ficam lá sob análise pra gente saber se é justo ou não é, se vale a pena ir avante, se foi bom ter renunciado...
Tem desejo que vem com a culpa e com um chicote de brinde, e faz a gente se auto-flagelar até tirar sangue das costas.
Outros desejos já nascem proibidos e nem por isso deixam de ser atendidos ou realizados.
O desejo independe da tecla “enter” pra acontecer. Ele é entidade autônoma. Se ele é realizado ou não, são outros quinhentos.
Eu desejo tanta coisa, que vou apertando o gênio dentro da lâmpada, louco pra eu atingir a perfeição e parar de necessitar.
É, né, porque necessitar pressupõe carência e às vezes a gente carece de coisas que não precisa.
A gente quer mais do que o essencial, a gente quer as bordas recheadas também.
A gente gosta da cereja do bolo, a gente quer saída para qualquer parte.
Caso desejássemos o simples, o essencial nos bastaria e pouparíamos as moedinhas que jogamos no poço.
Se o essencial nos bastasse, não existiria má distribuição de renda e nem a infidelidade afetiva.
Essas são as duas coisas que mais causam a desordem no mundo.
Ai, ai, esses desejos...
Sai fora Aladin, não desejo voar em seu tapete.