
Estou às voltas como tempo esses dias.
O tempo é surdo e não nos ouve. Ele simplesmente passa. Cheguei a afirmar em um post anterior que as coisas eram feitas de linguagem e tempo. Não falei apenas de linguagem falada, mas de linguagem como expressão, comunicação, como uma tela cujas características fazem com que você identifique o artista que a pintou. A linguagem está impressa nos blogs, na arquitetura, nos desleixos e nas belezas da cidade, nos banheiros públicos que a
Vã falou, nas pichações que poluem e cansam as retinas, nos grafites, na forma de andar, na forma de um povo se vestir, de comer, de festejar, de popularizar certos esportes, na forma de um povo elaborar suas leis e julgar os seus, em tribunais ou não. É algo cultural. A cultura é a linguagem.
Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo.
Mas porque eu estou falando essas coisas? É porque acabei de tomar sorvete de casquinha. E sorvete é todo tempo e linguagem (no seu sentido mais superficial). Sorvete ao ar livre tem prazo pra ser consumido, senão derrete. No copinho ele se transforma num mingau gelado, mas na casquinha, o tempo voa, amor, e o sorvete escorre pelas mãos, mesmo sem se sentir!
No Brasil, lá na década de 30, um navio norte americano aportou no Rio e trouxe toneladas de gelo em bloco que um comerciante chamado Deroche usou como base para o suco de frutas. Era a forma precária de se produzir sorvete (ainda não tinha leite na fórmula). Só que não havia freezers e ele tinha dificuldade para conservar o sorvete sólido depois do preparo. A solução foi o que se deu: ele publicou no jornal a seguinte propaganda: “Sorvete todos os dias, às 15 horas, na rua Direita, nº14.”. Pensa?!! Outra coisa no sorvete é a capacidade de transformar um erro em prazer. Eu sou fã incondicional do sorvete de flocos, e segundo o
Manô, o sorvete de flocos nasceu da sucata do Eskibon (produzido pela Kibon desde 1941). É a reinvenção do improvável. É a linguagem alargando os limites do mundo, fazendo os cacos de vidro tornarem-se peça de um caleidoscópio.
O prazer, a dor, as coisas todas passarão, e nós todos
passarinhos, mas nossas marcas estarão aqui, impressas na ordem universal, eternizadas em outras dimensões, embora o sorvete, em qualquer delas, sempre derreta!
Uni duni duni tê, ô ô ô ô
Salamê minguê, ô ô ô ô
Sorvete colorê
Sonho encantado onde está você?
Estrelinhas de hoje: Emmanuel (o tempo é surdo), Wittgeinstein (mundo e linguagem), Lulu Santos (Tempos Modernos), Carlos Eduardo Novaes (reportagem sobre o sorvete com hora marcada), Mario Quintana (Poeminho do Contra) e Trem da Alegria!