quarta-feira, 17 de setembro de 2008

CHOCOLATE E BREU (1º da trilogia quase fictícia "O Crime Descompensa")

Pequeno e acelerado . Era meu coração naquele momento.
Para contrariar o costume, eu queria o silêncio.
Então ela chegou e sentou-se ao meu lado.
- Está aí esperando tem muito tempo?
- Não. Cheguei agora.
- Tem um cigarro?
- Eu não fumo.
- Tô nervosa. Preciso de um cigarro.
- Nem se eu tivesse um você poderia fumar aqui dentro.
- Eu dava um trago lá fora. (...) E chocolate, você tem?
- É seu dia de sorte. Tenho um Chokito!
- Serve!
Dei a ela o chocolate que foi devorado em três tempos.
- Acho que você está mesmo nervosa!
Ela não parava quieta. Sentava, levantava, ia até a porta e voltava e esfregava as mãos.
- Fique tranqüila. Você já passou pelo pior. Agora vai doer menos que uma injeção de Bezetacil.
- Você é meio doida! Eu sempre achei.
Fiquei surpresa com aquela afirmação!
- Sempre achou por que?
- É que você fala umas coisa diferente. E nunca vi alguém com tanto doce na bolsa que fala coisas diferente. (sem concordância mesmo)
- Só por isso você me acha doida?
- Sei lá. Você não é muito normal não. Eu sou estropiada assim, mas sei ver quando uma pessoa é normal e quando é meio doida igual você.
A essa altura eu já ria, preocupada com o fato dela me achar “meio doida.” Aquilo poderia abalar a relação que tínhamos estabelecido até ali, com o respeito que deveríamos ter uma pela outra.
- O que é que tem a ver você se achar estropiada com saber se a pessoa é normal ou não?
Ela só riu e balançou a cabeça, como a dizer: sou foda!
- Você tem mais chocolate?
- Tenho não. Só tinha aquele. Tenho bala Toffe!
-Serve.
Meu telefone tocou e enquanto eu o procurava com a mão no meio da bagunça da bolsa, uma foto caiu. Ela pegou. No verso da foto, a inscrição com caneta preta: “Sempre seu”. Ela leu.
Enquanto falava ao telefone, vi que ela fazia careta. Desliguei.
- Humpf. Isso não tem jeito.
- Hã?!
- Prometer o que não sabe.
Me devolveu a foto.
- A gente faz jura de amor, menina, mas é sem saber o que vai ser.
Promete a eternidade, mas é tudo uma incerteza só!
Olhei para ela espantada. Sua última frase não condizia com o julgamento que eu fazia dela: mulher simples de idéias e vocabulários limitados.
- Mas na hora que a gente fala ou ouve, faz sentido, não é? Perguntei querendo ver até onde ia dar aquela conversa.
- Se você parar pra ver, não tem sentido não. Essas palavras aí são bonitas de ouvir, mas só cria vontade. Depois que a validade da palavra acaba, a vontade não acaba junto. Aí vai doer. Você ainda tá com o moço da foto?
- Não. A foto é velha.
_ Tá vendo?! E você ainda carrega a foto na bolsa. Joga isso fora.
- Não. Faz parte da minha história. Foi eterno enquanto durou.
- Ah, pára de falar bonito, menina. Dizendo isso, fez muxoxo. Deve ter durado menos que essa bala. Você sabe que eu tô certa.
- Durou o suficiente. (...) Se é tudo incerteza, quando é que a gente vai ter certeza pra dizer que ama?
- É tudo uma merda, menina.
Exclamei:
- Ó!! Acho que você é meio doida!
- Ei, peraí, num começa a inverter as coisas. Você é que é meio doida!
- Rsrs!
Eu já havia me revelado mais do que deveria para aquela mulher. Em certas horas é preciso conter as exclamações. Eu apenas sorri e me calei. Ela continuou andando de lá pra cá, esfregando as mãos e coçando a cabeça.
- Preciso de um cigarro, cacete...
Então ela olhou para mim e estendeu as mãos:
- Me dá outra bala aí.
.
.
.
.
Ela cumpriu pena por oito anos, por ter assassinado seu marido.
Não suportou as mentiras dele e nem os socos.
Numa manhã, véspera de natal de 1989, depois que ele saiu do banheiro, ela o esfaqueou e o dividiu em quatro partes. Ficou em casa esperando a polícia chegar.
Agora cumpre o semi aberto. No momento do diálogo, aguardava as condições da audiência admonitória.
Começou a fumar no presídio.
... e a comer chocolate compulsivamente comigo.


22 comentários:

Malaguetta disse...

adorei o dialogo :D
aprendi a comer chocolate compulsivamente pra não fumar mais xD
ela esfaqueou o marido e vc fazia oq la na hora do dialogo

Anônimo disse...

Através desse diálogo tem muita coisa que fica meio no ar. Engraçado pq é de uma profundidade de dúvidas que todo ser humano tem e que provavelmente serão sem soluçãO... Bem bacana o texto!

sblogonoff café disse...

Ei, Malaquetta!

Eu estava lá com ela porque eu a ajudei a retalhar o marido!hohoho!!
Mentira. Humor negro.

*****

Nem tudo condiz com a realidade, mas a senhora em questão foi a primeira cliente que acompanhei à uma audiência quando ainda fazia estágio. Como a admonitória é uma audiência mais simples, onde são apenas colocadas as condições de cumprimento da pena na condicional ou no semi-aberto, eu poderia acompanhá-la.
Eu e minha bolsa cheia de doces!

Xanda,
A matemática do amor é inexata e atemporal. Lançar-se ao amor é um ato de coragem e desprendimento, porque você perde, você arrisca, mas você também ganha e se eterniza.
Certeza é pra quem não ama...
ou tem medo.

Anônimo disse...

É peculiar ver como se porta uma pessoa cujos sonhos foram destruídos...

Uma pessoa traída pela vida.


Um diálogo muito interessante..

O amor eterno dura apenas alguns meses..
:]

Beijos

Anônimo disse...

Às vezes penso que minhas opiniões são parecidas com as dela... E nem precisei assassinar ninguém ou passa 8 anos na prisão...

Mas me restam os sonhos.. eu ainda não caí da nuvem. E o 'ainda' nesta frase me mata da mesma maneira que me revigora.

Revigora por saber que permaneço sonhando com a tal da felicidade a dois e com a felicidade-pura-e-plena.. algo puro!

E mata por saber que 'ainda' expressa algo que está por acabar.

Ambíguo, não?

:]

sblogonoff café disse...

A linha que nos separa da morte é tão tênue coo aquela que divide a sanidade da loucura.
Sob domínio de violenta emoção, as pessoas fazem coisas que não imaginariam fazendo sob outras condições de temperatura e pressão.
E quem pode afirmar que em situação semelhante não faria igual?!

A forma de amar ocidental, entorta e adultera o amor,com desejos, expectativas, de forma a culminar em crimes, tanto os sentimentais quanto os tipificados na legislação.

Talvez, relacionar-se ou esperar o amor verdadeiro, sejam sempre coisas repletas de ambiguidades ou paradoxais atitudes.

E amar é tão simples, né?!
Devia ser.
E tão bom quanto um chocolate!

Sopro de Eves!

ricardo aquino disse...

Se você é meio doida eu sou o quê? Completo e com ketchup?
Aquele poema é uma crítica aos críticos que querem definir, reduzir e anular a arte, propondo conceitos e teorias avançadas ao nada. Mas doida pela metade ou não, sinto saudades imensas!
Amo você!
beijos!

Karen disse...

Olha, as vezes acho que recebemos um sinal não sei de onde...
Quem me dera encontrar um ser assim, simples e tão racional. Até demais né...nnao precisava cortar em quatro, duas seria suficiente! rssss
brincadeiras a parte, acho excepcional conseguirmos perceber certos sinais da vida.

Minha estrela querida, que sorte a sua ter este diálogo de presente.

grande bjo

Patrícia Ferraz disse...

Menina, mas ficou parecendo filme, só que curta!!! Sabe aqueles de suspense, bem legais?!

Fiquei pensando, a princípio, que a doida da história era ela. Mas, depois, discordei. A gente nunca sabe aonde é capaz de chegar, ou aonde já até se chegou na vida (eterna). Portanto, sem julgamentos. Porque no dela, a setença já foi proferida, não é!?

Bom trabalho! O seu deve ser bem pesado, né!? Espero que as recompensas realmente compensem (monetária, emocional e profissionalmente)!!

Beijos!

Otavio Cohen disse...

acho vc um pouco doida também, mas eu sou irmão, é normal.

Eu acho o seguinte: chocolate branco que é bom. E prefiro jornalismo a direito. azar, vc prefere psicologia.

engraçado como as vezes acham q é mentira o q a gente conta.

Mariana Ornelas disse...

CADA ACAO TEM UMA REAÇÃO ... ASSIM COMO AS PESSOAS E SEUS FATOS E PASSADOS... UMAS CONDENAM O FUTURO PAGANDO EM REGIMES SEJAM ABERTOS, SEMI ABERTOS E OUTROS EM FECHADOS...

OS FECHADOS COSTUMAM VIR DE DOIS MODOS , DAQUELES QUE TU PAGA GUARDANDO TUDO NUMA CAIXINHA DE PANDORA MANTENDO UMA VELA COM UMA LUZ QUASE APAGADA POREM ACESSA ESPERANDO UM DIA PODE-LO LIBERTAR OU AQUELES QUE TU FAZ QUESTAO DE ESQUECER ... POREM TEM COISAS QUE TU POR MAIS QUE TENTE NUNCA VAI DAR CONTA. POR MAIS QUE TENTE REFAZER OU TER UM OUTRO FIM , NUNCA DA CONTA DE REALMENTE SE LIVRAR DAQUILO E AI CADA CHUVA DE GRANIZO, CADA SOM TOCADO LHE FAZ REVIVER E SEGURAR UM CHORO DE JAMAIS TER VIVIDO OU TENTADO COMO QUERIA...


DE TUDO ISSO SÓ UM TRAUMA PRA MINA VIDA FIQUEI ... JA FAZ ALGUNS ANOS QUE NAO DOU CONTA DE SEGURAR E TOCAR UMA MUSICA EM UM VIOLAO...
MAS QDO EU SENTAR PRA TOCAR SABEREI EXATAMENTE QUAL MUSICA TOCAR...

A VIDA É ASSIM POR MAIS QUE NAO QUEIRAMOS OU SABEMOS O QUE NOS ESPERA , SEMPRE SABEREMOS EXATAMENTE O QUE FAZER... SÓ NAO FAZEMOS AS VEZES ...

EU PARTICULARMENTE DEPOIS QUE TROQUEI OS DEDILHADOS PELAS PEDALAS DA BIKE TENHO APRENDIDO O VALOR DE CADA INSPIRACAO E DESVALOR DE CADA TRAGADA DA VIDA NA VIDA

Mariana Ornelas disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

iushdiuahsdiuhasd
MEU DEUS MICHELE!
fala serio...
juro...
eu não esperava isso, quando recebi seu comentário...
mas q belo post mulher!!!
desculpa: PQP!!!!
sauhdiauhsdiuhasd
muito legal, maneiro demais, a parte que mais me tocou vc nem acredita qual eh...
mas eu te conto qdo conversármos!
obrigado pela visita ao meu blog, e a resposta pro seu comentário está lah, afinal vim aqui comentar o SEU POST...:)
vê lá rapidinho...meu email tah aqui cadastrado (leia minha resposta e vc vai entender por que precisa do email)...

adorei o seu blog...e vai pros meus "EU leio" ok?

bjks =o****

sblogonoff café disse...

Proeta,
Todo doido precisa de um divã!
Saudades daquele nosso divâ ambulante!!

Karen,
Pois foi em quatro. E olha que era uma mulher aparentemente fraca. Mas duas partes eram pequenas e uma delas era a fálica. Fatal!
Sinais estão por todos os lados.

Patrícia,
A vida imita a arte, a arte imita a vida, né?!
Às vezes parece mesmo um filme, outras, um seriado americano.
... Em minha tragetória, aprendi a julgar menos as pessoas, seus lobos, e seus meninos. No processo de auto-conhecimento, quando nos deparamos com a trave em nosso olho, relevamos o argueiro no olho alheio!

Tatá,
Direito e Psicologia = chocolate branco com avelãs!

Mary,
Eu estava com saudades de seus comentários!
As coisas se transformam em nossas vidas, mas é interessante deixar fluir!
Também não pego muito o violão. Mais por falta de tempo do que de vontade. Mas as unhas da mão direita ainda continuam grandes!!

Bom, Sopro de Eves pra vocês!!!!!

Mariana Ornelas disse...

só para constar sempre que falto , qdo volto comento acho que todos que nao tinha comentado ou pelo menos a grande maioria deles, entao sempre leia os atrasados... e as vezes o sumico é bom deixa saudades... sempre fui assim sumo e apareco , amigos reclamam mas pra mim tem mais gosto um bom reencontro que uma vivencia sem muito conteudo no dia a dia

Elga Arantes disse...

Muito, muito bom, mesmo!!!
Já vim aqui umas cinco vezes ler seu texto de novo e de novo.

Começo a escrever um comentário e acho pouco. Desisto. Volto, desisto de novo. Agora, desisti "forever".

Na verdade, espero mesmo o segundo e o terceiro roteiro dos próximos "curtas" da trilogia.

A propósito, li um poema que vc escreveu em um comentário antigo em meu blog e publiquei (com os devidos créditos; não tão devidos, já que não sei seu sobrenome). Hoje, ele mexeu muito comigo. Vc não saberia, não é? Mas se morasse aqui, seria um daqueles dias: "Michele, hoje teremos happy-hour, preciso te contar umas idéias". Rsrsrsrs...

Beijos e obrigada por tudo.

Sheyla disse...

Que história heim?
Eu atraio doidos ou será vice-versa?
Já cuidei de alguns...
Aliás, já cuidei de gente de toda espécie e com doenças diversas.
Acho que sou um pouco médica, um muito doida, e mais um muito não sei o quê.
Agora a sua bolsa cheia de guloseimas, achei interessante.
O que mais terá na bolsa de Michele, heim?
Em relação a sua cliente, quem somos nós pra entender o que se passou na hora do crime, heim?
Bjs e voltei, rs...
Tava em Fortaleza.
Depois conto mais de lá.

Anônimo disse...

adicionei vc!!!
conversamos melhor então por lá ok?
num vejo a hora! hahaha
bjks =o***

DJ disse...

Se eu disser que fiquei muda diante do fato e do acaso vc considera minha opnião?! O que é melhor?! Defender ou acusar?!
Pode ser chocante saber das histórias cabulosas da vida, aqui vai uma afirmação: valeu a pena eu ter me embruteciso tanto! Afinal de contas, daqui pra frete quanto a polícia chegar e ver o cara partido em quatro serei eu, uma das... Nesse caso, é melhor só ler as histórias...
Apesar de tudo "teremos coisas bonitas pra contar"... e até que comece: "até lá, amos viver"...
Preferia de qualquer forma ainda estar no seu lugar!
Namastê.

Anônimo disse...

O bom é que se eu ver uma das duas eu dou um chocolate e fica todo mundo feliz!

Rafael disse...

Meu Deus q incrível
diálogo espetácular.
muito profundo isso
Eu dei muita risada aqui e conseguiu me prender do inicio ao fim
párabéns

Rafael disse...

ignore o primeiro acento

husuhasuashu