sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Estou bem.

Não havia como negar.
A dor que sentiam não ia cessar agora.
Foram enviados para aquele planeta por haverem se rebelado contra a ordem vigente e por terem destruído patrimônios morais tão sagrados ao povo daquele valoroso planeta que orbitava no cosmos.
Comparado ao que já possuíram, o planeta presente não era tão belo. Nem era tão fácil viver na escassez de qualquer tecnologia.
Muitos mal se lembravam de como era antes, mas traziam no fundo do peito uma saudade lancinante de tudo o que deixaram para trás. Quando olhavam as estrelas, não era raro rolarem lágrimas.
Muitos deles não suportavam o degredo, e sucumbiam em mais revoltas, em fugas inúteis, em associações apocalípticas, disseminando o caos e a discórdia por onde passavam.
Todavia, outros usavam os conhecimentos que haviam adquirido ao longo do tempo para melhorarem as condições e precariedades do lugar. Avançavam enquanto podiam, no limite de suas forças, como bem aconselhou o líder deles, anos antes.
E assim construíram novas civilizações.
De tempos em tempos, uma enorme espaçonave pousava na superfície do pequeno planeta e abria suas portas. Todos aqueles que adquiriram por seus próprios esforços o ingresso, penetravam a nave e desapareciam entre clarões intensos que vinham do seu interior. O curioso era que em uma nave tão grande as portas fossem mínimas, de modo que era possível a passagem de apenas um de cada vez.
A conquista pelo ingresso na nave era pessoal. Por mais que o amor e o zelo de uns pelos outros fosse capaz de até descer ao inferno, não havia como um comprar a passagem para o outro.
Naquele dia, ela soube que subiria. Havia merecido o ingresso para a nave.
Sentiu extrema felicidade.
Foi correndo contar aos seus, na esperança de que todos fossem juntos.
A mãe e o pai foram embora nos anos anteriores para lhes prepararem o caminho.
Eles, os irmãos, ficaram ali a mercê deles mesmos, sob o amparo e proteção do bondoso e consolador governante do planeta.
Chegando em casa, sem se conter, empurrou a porta e abraçou feliz todos os irmãos.
A não ser um que estava amuado em um canto da sala.
Quando soube que ele não ia, ela quis ficar.
Foram dias de sofrimento e desespero antes da nave aterrissar.
Ela não tinha condições de ficar ali. Poderia voltar, num futuro, mas por ora, era imprescindível sua partida.
Depois de se acalmar, decidiu que iria, mas que voltaria, caso ele demorasse demais a ir também.
Disseram a ela que estavam ali pela iniqüidade de seus corações e que deveriam conquistar com o suor e esforço próprios o direito de retornar à pátria celeste. Informaram que uma pessoa pode iluminar a outra por algum tempo, mas que era necessário que todos ativassem a própria luz para se credenciarem à viagem na grande nave. Por isso a porta era tão pequena. A passagem era apenas de um.

Ela entendeu de repente a solidão que sentia às vezes. Seu progresso, assim como suas quedas, eram de sua inteira responsabilidade. Responsabilidade pessoal e intransferível.
Finalmente, no grande dia, ela entrou na nave que sumiu no infinito.

Algum tempo depois de sua ascensão, em seu paradisíaco planeta de origem, recebeu a todos os amigos que haviam ficado para trás e regressavam agora. Abraçou a todos com grande alegria e procurou em vão pelo irmão na multidão.

Ele ainda virá, disseram-lhe.

Seu coração se apertou. Olhou para o céu e pensou nele com amor.
Alguém então toca seu ombro e lhe entrega uma carta resumidíssima, semelhante a um telegrama:

Estou bem.

Ass:James.

Quis chorar, entretanto resolveu confiar que ele ainda estaria ali entre a família. Confiar que ele um dia mereceria regressar.
(...)
*
Estamos aqui e precisamos uns dos outros para progredir, para desenvolvermos nossos sentimentos e melhorarmos nossas atitudes, no entanto, cabe a nós mesmos acendermos a luz que iluminará o resto do nosso destino e que nos fará encontrar o caminho de volta pra casa.
*
*
Este texto é uma sinopse do romance imaginário: “Lavouras” de Michele Edwirges, baseado na obra “Os exilados da Capela” de Edgard Armond.