sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Rir, o breve verbo rir

O sertão ensolarado é um imenso portal.
Quem conhece os ares, o solo, os pássaros, os rios e os segredos do sertão, consegue sentir quando a natureza se agita e aquece por dentro e por fora do ser.
O portal é passagem de energias e outras matérias.
É por lá que o sol entra sobre cavalos, rente à vegetação rasteira, entre arbustos e histórias permeadas de mistérios, lendas e interrogações.
Na história de cada um, longas veredas.
Não sei há quanto tempo caminho.
O suor que escorre no rosto, chega ao chão e continua infinitamente, deixando um rastro que edifica cidades inteiras, algumas sumersas, outras, ocultas nas dimensões invisíveis à nossa risível ignorância.
De longe, o berrante do boiadeiro fantasma consegue me atordoar.
Sigo silente sobre os pastos o sob um céu intenso, azul de cegar.
As almas que perambulam comigo não possuem corpos, mas possuem histórias e casos, dívidas e nomes.
Curioso, mas não consigo entender o que é a solidão, embora tenha nascido só, embora faça só a passagem para o reino da morte, embora colha sozinha o que com minhas mãos semeei.
Não lembro de ter sido abordada pela solidão nesta estrada.
Lembro dos dias tristes, dos percalços, das dúvidas, das noites frias, no entanto, guardo em mim a lembrança de outras presenças nos momentos mais graves da luta, nos abraços reconfortantes e nas palavras luminosas que impulsionavam meu avanço.
Nem sempre estive atenta aos sinais da vida, às codificações da natureza, entretanto, sempre acreditei que era possível avançar, construir, garimpar pequenas felicidades, mesmo me sentindo em vários momentos uma peça à parte, avulsa entre tantas outras. A única bala verde em um saquinho de balas coloridas.
No horizonte, o sol se despede vibrante e a noite nascente herda o calor, o vapor e a procura das aves (que voam em bando) por um lugar mais seguro.
Lá no longe percebo a curva que me conduzirá ao meu destino.
Esboço desânimo e cansaço e no momento em que intento reclamar, o ar se movimenta e sopra meu corpo. É o vento!
De onde ele vem? Onde está seu início? Será que vem pro meu alívio ou sou obstáculo em sua passagem?
Faço cessar as questões. Sempre chega a hora em que não é importante perguntar nada.
Não raro, esta é a mesma hora em que as respostas chegam e nos preenchem, fazem com que tudo ganhe sentido extraordinário. As vistas notam o que antes era imperceptível, e a realidade revela outras cores, outros tons, verdades desconhecidas.É uma breve epifania!
Nesse instante, tudo é perfeito. Do átomo ao arcanjo.
Vivencio o instante magnífico, onde o ser se expande até para os lados que não existem.
Importa apenas o que sinto, esse infinito dançando em mim.
Eu rio!(E seus afluentes)
Preciso seguir enquanto o vento vai embora e voltam acelaradas as coisas comuns.
Atrás de mim, um oceano de ocasos.
Estrelas querem despontar...
*
*
Grata a Guimarães Rosa por irrigar essas veredas.
Grata a quem inventou a bala goma, vulgo, jujuba.
Grata a quem criou o filtro solar (conselho bom nesses tempos!)
Gratidão aos ventos de alívio!
*
*
Rir, breve verbo rir, lido ao contrário forma a mesma frase. (Palíndromo)
Mão e contra-mão!

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Solo tu amor



Os raios de sol dissolvem meu pensamento em mais de cem sentidos.
Eu procuro a resposta da vida perto de cada ventilador.
É estranho como um hidrotônico me traz mais alegria do que a cara terapia de verão.
Trocamos palavras sem intenção de matar.
Esperamos com aflição cada reposta eletrônica ou não.
Desejamos ardentemente a resposta criada por nós mesmos, antes de perguntar.
O sangue segue fervendo, a esperança se funde aos ossos do corpo e passa a fazer parte de toda sentença.
O chocolate derrete na bolsa e se espalha no forro interno. Agora é como se a carteira, as chaves, os papés amarelos dos cupons fiscais e a bolsinha do celular fossem feitos da mesma matéria.
Em certos momentos o suor parece justificar toda a intolerância e a irritação que deixamos manifestar.
Será que as justificativas cicatrizam as feridas que abrimos com protocolos e solicitações deferidas? (...)
Será que o sol é culpado por não haver camada de ozônio suficiente que nos proteja?
Será que por ser mega-hiper-ultra violeta, essas flores do supermercado nos trarão a luz?
Haverá um parto normal? Uma maiêutica sem lágrimas? Indolor?
Será que há garantias para nós?
Cada movimento do sol sobre você
Cada móvel velho e cada anoitecer...

Da me tu amor
Solo tu amor

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

QUE O NOSSO AMOR SE DECLARE MUITO MAIOR E NÃO PARE EM NÓS

Pensando bem, sou um tipo de kami kase, meio sádica, que protela a vida para que o último minuto assegure a sanidade e ordem necessárias.
Até lá, é todo esse suor, essa aflição, esses minutos que se sucedem sem perdão diante dos meus olhos e mesmo à minha própria revelia.
Na contagem regressiva, forço uma solução inexata demais para as necessidades do mundo.
Todos olham para mim com os sfincteres contraídos, cheios de fórmulas e prazos, e eu devolvo a agonia travestida em remendo.
Remendo para esse falta que sobra na lógica.
Remendo para todos os compromissos inadiáveis.
Remendo para essas soluções temporárias que ao se prorrogarem periodicamente, se estendem ad eterno, encontrando o próprio rabo na segunda volta.
A pilha de poeira, protocolos, passado e lixo se formou com minha tácita permissão e vejo, com certo espanto, que ela possui um sistema de auto alimentação.
O sol faz com que tudo isso pareça mais intenso do que a verdade sugere.
O sol fumegante das 19:00h. O sol que adentra a noite e seca as roupas , mesmo aquelas urgencias que se resolviam atrás da geladeira.
O mesmo sol, a mesma Terra. A diferença entre o possível e o desejo. Entre a licitude e a conveniência.
Nós poderímos simplesmente dar as mãos e criar um mundo, fazer coisas novas, pintar o cabelo, mudar o nome, o endereço, a ficha genética, a cor da íris, a árvores genealógicas, a ordem dos fatos...
Poderíamos mudar a letra e alterar as linhas de nossas impressões digitais.
Quem sabe?
Todavia, isso não parece possível aqui.
Aqui é uma enorme boca cheia de realidade e movimentos precisos e contínuos.
É preciso estar aqui.
Ficar aqui e agir.
Aqui.
É preciso apertar o botão, oferecer virgens ao sacrifício, ostentar o chicote com o qual espantamos o leão.
Acho graça! E acredito que muitos se espantariam ao saber que as virgens ensaiam para um sarau bem no meu quarto. E o leão é meu bicho de proteção.
Quem tiver coragem, se aproxima. Quem ousar, afaga.
E o botão, ah, o mundo hoje é cheio de botões!!
Teria que resolver primeiro a equação que me confirmasse que aquele que acredito ser, seja realmente o certo.
Pois com a tensão em que estou, sou capaz de explodir o mundo, baby, acionando dispositivos errados.
É por isso que em todos os casos devoro lentamente, mas com ânsia e gosto esse pote de Nutella.
Porque a vida precisa ser doce.