quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

DEFORMAÇÕES

Quando é o caso, fico procurando desenhos no mármore, nas cortinas florais, no emaranhado de árvores. Geralmente procuro rosto de pessoas, de animais, de formas que conheço.
Gosto de encontrar o familiar, por isso talvez eu estranhe quando você revela coisas inéditas pra mim.
Sinto que essa parte estranha me faz querer te agredir de formas nas quais ninguém verá o sangue, mas que vai doer do mesmo jeito, ou pior.
É que Narciso acha feio o que não é espelho.
Fica meio confuso isso, porque há quem diga que nos incomoda no outro somente as sombras que também são nossas.
Eu gosto dos seus jardins, das telas e das tintas, dos rostos sorrindo... 
Gosto quando encontro um beija-flor, a mão do Spock desejando vida longa e próspera, gosto quando encontro um dragão ou qualquer personagem épico. São coisas do nosso universo e isso a gente reconhece e se alegra por encontrar.
Mas eu não sei por que essas outras coisas que são tão intimamente estranhas a nós ainda atravessam nosso coração como flecha envenenada. Poderíamos apenas aceitar que o mundo é infinito demais para conhecermos tudo e admitirmos que é necessário aprender até sobre matéria escura. 
Que forma é essa que me confrange? 
Se eu reconheço alguns de seus aspectos, porque quero apagá-los?
Eu não sei exatamente por que quero gritar até a imagem ser outra, até se tornar algo mais familiar e aconchegante como um abraço ou a primeira colher de Häagen-Dazs de macadâmia.
Olhando as rajas do mármore dessa parede, só procuro o que conheço, porque do contrário, poderia inventar qualquer forma e dizer que ela estava ali, por coincidência.

O problema, meu bem, é que a gente nunca acreditou no acaso.

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

TEMPLOS DA MULTIDÃO

O sentimento que sobra no fundo do ano sai espremido como pasta de dente no fim do tubo.
Ouço os homens falando de amor e não sei mais se amo e me importo como já amei e me importei.  Talvez seja um jeito novo de olhar o mundo, talvez porque o amor seja apenas isso que eu estou vendo: hoje beija, amanhã não beija, depois de amanhã é domingo e segunda-feira ninguém sabe o que será.

Escuto o meu coração e consigo notar uma interferência, um chiado revelando uma voz que fala em um código que ainda não aprendi a decifrar. Tem muito ar aqui e pouco pulmão em mim. Mas tem muitos outros pulmões no mundo. 

Esse meu lar tão frágil tentando resistir ao calor e às diferenças, exige do meu coração um pulsar mais intenso. Tem uma fresta na parede que eu não sei consertar. Mais tarde pode chover e isso me aflige. As pernas ficam inquietas, os segundos não param, um novo ano já vem e não tem como frear.

Coloco canela no café, só pra você saber. Poderia ser maracujá, talvez as pernas entendam.
Por hora, a expectativa do looping já embrulha meu estômago, sem papel bonito e laço que a gente compra pronto. Embrulha com papel rasgado de caderno.  

Além da parede, dos muros e plantas carnívoras nascendo no jardim, preciso cuidar de umas coisas, consertar outras, mas estou cansada e não dá tempo pra prender a respiração. Tirar férias e ir pro Tibet não resolve. Não vamos mergulhar, vamos passar por ali e procurar sobreviver sem muitas marcas, sem ferir e ser ferido. Só é possível enfrentar. A vida é isso. O duro combate, aos fracos abate. E quem quer ser fraco de propósito?

Sinto-me velha e cansada. Há um bombardeio de ideias novas e planos fabulosos, mas essa infinidade de universos que existe nos outros é o maior desafio a vencer por hoje. Cada um é um templo que preciso respeitar, entender, tolerar e perdoar.

Sei que tudo é urgente, mas quem sabe, no ano que vem?