terça-feira, 28 de setembro de 2010

Se você puder...

Vamos nos sentar aqui e conversar como se estivéssemos nos conhecendo.
Vamos reinventar o encantamento dos encontros, a surpresa dos inícios, a conquista de cada frase. Conversemos agora sem o peso das tardes, das luas, dos erros.
Deixemos que tudo seja novidade. Façamos com que cada sorriso revele outras luzes e outros mundos.
Vamos ignorar que agora é tarde.
Permita que eu pergunte o seu nome, a cor que você mais gosta, sua música favorita. Deixa eu saber dos livros que já leu, dos filmes que ficou de assistir, de suas viagens mais marcantes.
Deixa eu lhe contar minha história triste, dizer como sou lenta e reticente, cantar um chocolate pro futuro, perguntar o número do seu telefone e prometer ligar depois.
Vamos pedir outra garrafa, outra porção e esquecer que a madrugada vai chegar.
Vou falar dos meus sobrinhos, de como são meus pais, meus irmãos, das manias que tenho e de como gosto do Balão Mágico.
Vou te ouvir revelando detalhes que nunca disse a ninguém. Vamos rir das bobagens e trocadilhos, vamos arquear a sobrancelha a cada afinidade descoberta.
Vamos compartilhar nossas dores, nossos arquivos, vamos recomendar filmes e livros, vamos deixar que a vida seja leve, que o passe seja livre.
Nem que seja pra condensar todo o percurso em um minuto.
Vamos fazer de conta que não há dor nem cicatriz, que não houve perdas, partidas, despedidas nem crepúsculo.
Vamos fazer de conta que ninguém ficou desapontado, que nenhuma lágrima rolou, nem e-mails desencaminhados. Vamos fingir que temos um papel em branco e muitos lápis de cor, são mil possibilidades e nenhum mal entendido.
Vem, puxa a cadeira e senta aí, como se estivéssemos nos conhecendo.
Porque agora apenas estamos aqui com essas xícaras de sol.
O resto do mundo é pra depois.

Ouvindo”These Things That I've Done” dos Killers.

All these things that I've done
(Time, truth, and hearts)
If you can hold on
If you can hold on





quinta-feira, 16 de setembro de 2010

MAMUTE MUITO, COMO AS FLORES MAMAM, laralaralaralara la la la...



Pois só quem ama pode ter ouvido capaz de ouvir e e de entender estrelas.
(Bee Lacteo) ou Bilac

É preciso cavar buracos para plantar certas sementes.
(Sobre a dor.)
Criança, isso não é implicância com você! É mais uma exortação!
Dor haverá por tudo quanto é parte.
Nem sempre é necessária, mas quando vem, pode ser benéfica sim.
E... Macacos banguelas me mordam, se adianta a gente se entregar ao pântano escuro e fétido.
Rá!
Você vai sempre dizer que entende, que já sabe. Vai recitar pra mim tim tim por tim tim a minha antologia otimista, e vai caçoar dela. Vai me flechar, mesmo sem querer, com doses realistas de algodão doce. Alguns de seus dardos vão me ferir. Vai sangrar.Você vai chutar o balde quando o céu escurecer e as estrelas sumirem. Vai achar que problema nenhum tem solução. Vai fazer uma piadinha infame só pra disfarçar, pra fingir que não se importa tanto. E vai achar que é piada quando a vida aparecer sorrindo.
Você diz que sabe e que não vê sentido nisso tudo. Mas só vê sentido quem aprende com o coração. Sois mestre em Israel e não sabeis dessas coisas? Que mal há em acreditar? O que o pessimismo produz? O que a desistência produziu até hoje senão derrotados? Me cita um exemplo só, que me calo, que deixo de falar que sobre toda nuvem negra brilha forte o sol.
Certas defesas humanas são tolas, pois nos afastam da vitória.
Vencer ou não vencer é relativo demais. Pode ser que uma derrota seja seu maior ganho e isso vai muito além do que brincar de Polyanna, de ver o lado bom só pra ignorar que o que é podre na Dinamarca fede pra caramba cá nos trópicos. Precisamos saber discernir o que é otimismo do que é alienação. O otimismo é dinâmico. Não era pra ser tão difícil. Acontece que somos aranhas fiadeiras tecendo malhas na vida, entortando as linhas e dando um jeito de falar que elas foram escritas por Deus, pela Vida, pelo Sereno... Se erramos, se sofremos, se as coisas doem, é porque estamos na batalha.
Todo mundo tem o direito de ficar triste. Ninguém é de ferro por aqui. Certas coisas nos levam a nocaute sim. Mas e aí? E depois? Vou ficar de bode pra sempre? Por causa do nocaute (que aparentemente a vida me deu?!)
Ninguém perdeu definitivamente. Culpar a vida ou as divindades é como pegar a mulher (ou o marido) transando com o amante (ou a amante) no sofá e jogar o sofá fora!! "Pronto. Resolvido o problema. Joguei fora o sofá!!! "
O coração precisa estar atento ao foco, senão fica míope.
Coração com problema de vista é muito mais sério que o glaucoma da minha avó que já morreu.
Então, se é assim, viva os trouxas!!!!! Viva você que se arriscou, que pagou pra ver!
Viva você que acreditou, que deixou a flor roxa nascer!
Qual o problema?
Pior pra quem não amou. (pior pra mim)
Melhor que ter no peito um solo árido, cheio de tuaregs e camelos. (Apesar de ter gosto pra tudo).
Melhor assim do que ser apenas espectador da própria vida.
Protagonistas sofrem, mas é mais provável que o final feliz esteja destinado a eles, e não aos figurantes.
Ser trouxa é não ser bruxo, segundo o Harry Poter (!!!). Mas é também deixar o orgulho morrer por dentro, massacrado por uma manada de auto-perdão. Ser trouxa é deixar a vaidade se transformar numa fumaça que vai fazer você tossir, seus olhos verterão lágrimas, mas ela logo vai desaparecer no ar.
É deixar a coragem virar adubo para um imenso jardim de flores roxas.
E que a primavera seja bem vinda!
*
Venha, o amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça:
Venha, que o que vem é perfeição

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

MORUS NIGRA (Epsódio I)



Ele estava ocupadíssimo, metido em dezenas de livros e jurisprudências, afim de encontrar a “brecha panacéia” que solucionaria todos os casos aparentemente insolúveis.
Ela chega ofegante. Senta no sofá solo. Levanta, pega um café, senta-se novamente e diz:
- Cara, to com febre.
Ele levanta a cabeça, a observa por sobre os óculos por uns momentos e continua por sua busca em silêncio.
Ela termina o café, levanta, vai até a mesa onde ele está, abre um livro, folheia sem ler nada, volta ao sofá, esparrama-se e diz outra coisa:
- O problema de depilar tudo, absolutamente tudo, é que o xixi sai como um esguicho e escorre pela perna. Ai, que ódio que me dá. Quero matar alguém.
Ele pára, tira os óculos e a fita. Incrédulo:
- Tu te tornas completamente inimputável, já que és louca e reativa.
Dentro dela, todas as exclamações e interrogações se unem no centro do pulmão, fundem-se, e são expelidas para o exterior em forma de hã de top model. Assim: Hã?!!!!!?
Ele simplesmente volta aos livros.
Ela simplesmente continua conversando, sem perguntar de novo, sem tentar entender o que ele disse. Levanta.
- Esse creme hidratante de cereja é uma delícia.
Dizendo, quase esfrega o braço no nariz dele.
- Sente? Não é? Vontade de comer o meu braço.
- Porque você está tão visceral hoje? Assim, querendo matar, querendo se comer?
- Meu Deus, homem? O que é visceral? E aquela coisa que me xingou... putável... Estou aqui, “indo pro meu lugar calmo”, como aprendi no desenho. Respirando, e você só me ofende. Qual é?
Ele movimenta os lábios. Algo que parece um sorriso. Vai até a estante, pega um volume imenso, volta pra mesa, passa por ela e continua à procura do santo graal.
Ela olha pra ele com piedade. Aproxima. Faz menção, mas não fecha o livro que ele pesquisa.
- Urbano, estou doente. O médico disse que vou morrer.

*

*

(continua em qualquer dia desses)

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

de macadâmia


Porque o mundo tem dessas coisas das quais não podemos fugir.
E essas coisas são capazes de sangrar seu companheiro de guerra, por dolo ou acidentalmente.
Ainda sim, precisarão verificar se em sua culpa há imprudência, negligência ou imperícia.
Talvez não se possa ser feliz impunemente.
Talvez seja preciso oferecer virgens ao sacrifício para que a maioria seja beneficiada.
Mas pode ser que todas essas dificuldades sejam apenas nossa falta de jeito de lidar com a vida e suas voltas, seus zigues-zagues e seus zagueiros cansados do jogo e do empate.
No final, com noves fora, vai restar apenas o que fomos capazes de amar.
Material para reconstruir.
E quando você perceber que houve mortes e que foi você quem atirou, quando você perceber que seu mundo só não está melhor por causa das coisas que deixou de fazer, quando você fizer verter lágrimas dos olhos de quem ama, haverá pouco consolo no mundo.
E isso vai acontecer, meus amigos.
Porque somos um monte de filosofias incompletas carregando uma caixinha de interrogações.
Porque somos desajeitados para amar, para oferecer amor e para receber amor dos outros.
Mas uns, mais que outros, precisam estar totalmente sóbrios para passar por tudo, pelo fogo e pela água.
Uns, mais que os outros, querem ter controle em momentos de decisões importantes e em momentos de sofrer ou se beneficiar pelas conseqüências.
Uns, mais que os outros, não podem lançar mão de portas de escape artificiais.
É importante afirmar, no entanto, que mesmo para esses sóbrios por convicção, haverá soluções emergenciais que tornarão suportável todo conflito e todo o peso da alegria.
Para esses outros, existe Häagen-Dazs de macadâmia, cujo nome não faz sentido em nenhuma língua, mas cuja essência aflora seus outros sentidos na primeira colher.
Sua origem não possui glamour, como a nossa vida nos bastidores, mas seu sabor é capaz de nos consolar até onde dói mais, anestesiando a chaga e derretendo a lágrima que já é líquida com a suavidade de uma nuvem em dias claros. Por um segundo, seu interior é meditação, mesmo sem um jazz para acompanhar. Mesmo no completo silêncio da sua sala.
Porque para os caretas, a vida é sempre mais áspera, já que evitamos as fugas.
Porque para os caretas, tudo se mostra como é, sem o frágil véu que não permite às vistas lidarem com as verdades e com a dor.
Porque aos caretas é necessária uma dose a mais de coragem para enfrentar a própria culpa ou o golpe inimigo e ela não será oferecida pelo senhor Johnny Walker ou Jack Daniels. Nem por nenhum senhor semelhante.
Porque nenhum deles podem fazer por mim o que Häagen-Dazs faz.
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Faço parte do mundo proletário, onde tantas vezes nos privamos de certos prazeres por considerá-los superfluos os caros demais. Mas não acredito que o alento, o alívio, a anestesia sejam gratuitos mesmo...