quinta-feira, 13 de setembro de 2012

A ALMA DO NEGÓCIO

Meus pais, quando ainda namoravam, passaram um período se encontrando apenas 2 vezes por ano. Uma nas férias de julho e outra nas festas de fim de ano. A comunicação era por cartas que com frequência eram revistadas pelas freiras do internato onde minha mãe estudava. Conteúdo impróprio não era enviado ao destino. Acho que era assim, pequenos crimes legitimados pela proteção à moral e aos bons costumes. Mas nem é disso que quero falar.

O fato é que para o meu pai e minha mãe, a eternidade durava muitos meses. Hoje em dia, se eu clico no ícone e ele não abre imediatamente, eu já acho que a eternidade cabe ali. Quando navego pelo firefox e de repente aparece a tela: "Desculpe, Isto é constrangedor!" eu logo ativo a paciência.

Antigamente 1 minuto demorava mais pra passar, mais que um chiclete!

Hoje, curiosamente, as coisas andam mais depressa e mesmo assim ainda não temos tempo pra quase nada. Nós nos apressamos na proporção em que o mundo se apressou e até nos centros quase rurais crescemos como frango de granja. Derrepente (detesto escrever essa palavra aglutinada assim. Eu gostava de de repente... thin air), então, derrepente as coisas ficaram sanfonadas, cresce aqui, diminui ali. Tenho amigos de longe. Meu sobrinho no sul de MG espirra e em tempo real eu digo "saúde" sem gastar nem impulsos telefônicos. Minha amiga da Polônia tira uma foto e dez minutos depois eu comento a foto, as luzes, os balões e os pombos de uma praça polonesa. Quero tirar uma certidão negativa de alguma coisa e nem enfrento fila em órgão público. Só digito algumas senhas e provo que não sou robô. Mas a loucura disso tudo é a hipnose provocada pelo cruzamento de dados dentro da Matrix. E como isso funciona bem, principalmente sobre os incautos.

Me considero uma pessoa muito simples. Nunca fui de deixar me seduzir por vitrines e vendedoras que chegam com sacolas repletas de coisas bonitas das quais definitivamente não preciso. Calcinha, jóias, roupas, sapatos, bolsas... Sempre consegui ficar na minha, a menos que estivesse mesmo precisando de algo.

Ocorre que o sistema impressiona pelo apelo sutil, aliás, pelo apelo descarado que realiza nesse veloz mundo a divagar. Meu tênis, velho de guerra, gastou o solado de tanto usar. E justo agora que eu tinha inventado de caminhar na lagoa. Como não tenho muito tempo para ir em lojas e ficar experimentando um tênis, me indicaram um site na internet que vende calçados: Vai lá! É ótimo, tem vários modelos de todos os preços e marcas e chega em 3 dias.

Fui lá, né?! Em 2 horas agradei de um tênis e realizei a compra... Por que demora também, sabe? Você encontra um modelo e ainda clica no botãozinho de cores daquele modelo. Talvez demore mais do que ir numa loja física, porque são tantas as opções. Mas já era tarde da noite, nem tinha loja aberta naquela hora. Era domingo... Então (...) Comprei o tênis e saí do site. Antes de clicar na escolha, cliquei em vários modelos que iam me agradando pra fazer um melhor de 20 no final.

Saindo do site, não achei que aquilo iria interferir em minha vida. Rá...

Na segunda-feira, meu e-mail já estava infestado de promoções e anúncios. Como não tenho tempo, vou excluindo tudo. Mas isso não basta. Os anúncios te perseguem. Um dia desses pensei: poxa, comprei um tênis pra caminhar... Agora preciso de um para o dia a dia. Pois é, comprei outro. Mas o sistema quer sempre mais de você. Quer dominar sua vontade, quer descobrir seus gostos, suas preferências, quer te seduzir com falsas ofertas e te empurrar corpo afora viagens, tênis, tratamentos de beleza, acupuntura, mapa astral, comida e tudo o mais.

E é tenaz!

Você juçga estar imune aos reclames, mas é preciso ter o chamado "domínio socrático". Há alguns dias estava eu num site jurídico, JURÍDICO, quando notei um anúncio na lateral da tela. Entre anúncios de cursinhos e livrarias, a loja de Tênis. Eram todos os modelos que gostei passando em fila! Exatamente aqueles que eu desejei!! Se eles pudessem rebolar, eles rebolavam. Mandavam beijo, davam piscadinha... Então aquele tênis do qual eu definitivamente não precisava, mas que era lindo, desfilou deslumbrante na tela, desviando minha atenção do artigo tão importante que eu deveria ler.

Autômata, cliquei na figura que aumentou e tornou-se a página principal em meu monitor. O tênis estava na promoção.!!!!25% mais barato do que o modelo parecido que vi na loja da avenida. Meu cérebro começou a criar argumentos para legitimar a possível compra. E entre pós e contras vi surgir uma janelinha com os dizeres: Compra realizada com sucesso. Parabéns, você acaba de adquirir um produto de qualidade.

Simples, quase indolor. Parece mágica! A gente até esquece as prioridades... A gente nem lembra que há pouco discursava sobre autonomia, simplicidade e liberdade... A gente se entrega na onda e rala as coxas, costas e bunda na praia porque não aprendeu a furar a onda, a surfar com maestria, a resistir.

E quem quer resistir?
Quando acabar, o maluco sou eu...




11 comentários:

Anônimo disse...

Oi !!!!

Sem contar aquela teoria de que o tempo há algum tempo atrás passava mais lentamente que hoje. Hoje o tempo voa, minha mente voa, mesmo quando estou à toa, ele passa voando.
Estou aqui comentando anonimamente/assinado e "on-line".
20 anos atrás, on-line era luxo... rsrs.
Nunca estamos contentes com o presente, por isso ele fica semnpre mudando... rsrs.

Beijo Michele.

Saudade docê!!!

LuizH

Michele disse...

Eu acredito nessa teoria! Ressonânica Shujksnfejk... COmo é mesmo o nome do cara?Rs!
Eu até que estou contente com o presente!! Principalmente quando é surpresa, embrulhado num papel bonito!! Mesmo que for de grego!!
Adoro presente!! S.P!
Mas o foco desse post é na verdade o domínio da Matrix sobre nós! O cruzamento de dados fazem com que nossas preferências ficam expostas e são utilizadas para nos fazer consumir. A propaganda é mais que a alma, é o espírito do negócio!!

Anônimo disse...

H.P. !!!

Eles rastreiam cookies armazenados em todos computadores como sua impressao digital, tudo que navegou e clicou.
BigBrother internético...rsrs

É o Negócio da Alma de hoje...rsrs

Onde estará a privacidade no futuro???
Na privada, acho...

LuizH

Anônimo disse...

Pois é.

Nasci no inicio dos 80, fui adolescente nos noventa, nos 2000 já despontava minha adultice.
Naquele tempo, a única forma de alcançar consumidores ávidos era pela tevê, o radio já estava ficando obsoleto, além do mais, dizem que o povo só ligava mesmo pra ouvir radio novela, [já pensou que coisa mais deprê? Ficar com o ouvido colado no radinho e chorando com a Glória Menezes...]
E a tevê apelava, acho que ela se popularizou mesmo foi nos 80, me corrija se estiver errada, porque foi exatamente na época em que cada casinha que existia no País, era obrigatório sua presença.
O que quero dizer é que cada época tem sua "apelação propria", porque desde os tempos mais remotos existe espertalhoes querendo vender seu peixe, provar pra voce que o dele é melhor! E acabamos engolindo peixes com escamas e tudo...
Hoje em dia, com a internet parece que o povo tem levado muito a sério a coisa de globalização, quando eu tinha facebook, passava a maior parte do tempo excluindo as propagandas mas acontecia que apagando uma vinha cinco novas, o jeito foi excluir o perfil.
Eu adoro o gmail, uso desde os tempos do orkut [que o google o tenha], só que este também tem me deixado cabreira, porque acima da caixa de entrada sempre tem anuncios, até aí nada incomum, mas quem usa vai entender minha birra, os anuncios vêm baseados nos assuntos dos meus emails!! Poxa, tem um avizinho sobre o google respeitar minha privacidade e blá, mas não caio nessa! Com certeza tem um espertinho lendo minhas msgs!
Ahn, outra coisa, tem um site de vendas que esqueci o nome,seus anuncios são daqueles que quase se jogam em seu colo entao não passa despercebido, eles tem umsistema muito bom, gostaria de saber como fazem isso, por ex. já aconteceu comigo de clicar num desses anuncios e olhar o produto, pesquisei [leia-se pescoçei] outros e outros, pronto,parei fechei tudo,dias depois, quando entrei em outros sites que não tinha nada a ver e eu nem lembrava mais, lá estavam saltando da tela os mesmos anuncios dos produtos que eu tinha visto no outrodia,todos agrupados bem bonitinhos como se dissessem "estamos aqui ainda te esperando, garota"
Irritante.
A internet é boa, sim é ótima porque se não fosse por ela, não teria conhecido pessoas como voce [/momento owww off], mas deve ter o lugar correto na vida da gente. O povo fica supervalorizando tudo, acham que só porque viu uma coisa na net aquilo tem de ser verdade verdadeira. Só que tem gente que escolhe "por querer" mandar pro bucho a pílula azul!
Só que no fim das contas, as vezes a alienação é inevitável...
Tipo se correr o bicho pega, se ficar o bicho come!
Ai de nós.
Mas e aí, ficar na caverna olhando as sombras ou sair e buscar um maravilhoso mundo novo?
Mas como sair? Ou a que custo?
Eu quero sair, eu quero a vermelha!! \o/

Mulher Vã disse...

Ops, era eu ali!

Anônimo disse...

Viva a ilusão e a felicidade que encontramos nela.

Alvaro Vianna disse...

Não consigo ter medo da Matrix. Acredito que seja bem menos perigosa que válvulas danificadas no coração ou pólipos intestinais. E comigo não tem acontecido de acertarem minhas preferências de consumidor. Talvez porque eu muitas vezes esteja querendo comprar algo que nem existe ainda. É verdade, isso me acontece muito. Sou um pouco visionário, embora isso não me dê qualquer lucro.
Tenho comprado quase tudo, ultimamente pela internet. Menos até pela comodidade. Eu até preferiria comprar em lojas físicas, mas vendedores me causam urticárias. Quem pudesse me ver entrando numa loja certamente acharia muita graça em perceber as voltas que dou para driblar os tais. Eu tenho prazer em ver demoradamente os produtos, coisa que não nos permitem a menos que digamos a famosa frase: "estou só olhando". Não gosto de ter que dizer, afinal eles estão trabalhando.
A internet me estende. Só lamento que ainda tenha que ficar muito tempo sentado em frente a uma tela para poder usufruí-la. Minha visão antecipada de futuro me diz que não tardaremos a incorporá-la, literalmente. Se a telepatia não existe, na forma sobrenatural, passará a existir bioinformaticamente.
Certamente surgirão desde já teorias conspiratórias sobre cérebros hackeados, o que não me parece improvável. Mas não consigo pensar num presidente americano apertando o botão de lançamento de mísseis nucleares a partir do ditame de um adolescente desocupado em Estocolmo.
E para a desinformadinha anônima de Colatina digo que a TV já era muito popular na virada dos 60 para os 70. Nem todos podiam comprar o aparelho, daí se criou a figura do televizinho. Era até bacana. Famílias inteiras se deslocavam para ir ver novela, filme e futebol na casa de algum conhecido mais sortudo. Ao que me lembro, ninguém se importava com essa "perda de privacidade", muito ao contrário; havia satisfação nesse acolhimento, nessa amizade.

Beijos, Mi

Mulher Vã disse...

Muito bem colocado, Alvim.
Nada melhor que uma testemunha ocular!

sblogonoff café disse...

Nenhuma coisa por si só é impura.
Tudo serve de benefício para alguma coisa.
A canabis, a pólvora, o avião,a faca de cozinha, a agulha, a serra elétrica, o açucar, o bombom, a internet.
O problema da compra é só a perda sutil de nossa autonomia e não exatamente da privacidade.
Deliberada.
É uma manipulação que acontece o tempo todo.
Quem controla as emoções alheias é o Rei do Pedaço (A.G.Forever!!!).
De repente vocÊ acha que precisa de algo que é totalmente superfluo pra você.
De repente você acha que gosta de uma música que é desprezível.
De repente você escolhe seu partido político...
E o que você faz com os próprios recursos?

Michele disse...

Vã, sua XCHA- Tonilda!
Eu caí direitinho.
Agora já acho que é tudo você!!
até a parte que eu mesma escrevi acho que foi você!

O Alvim te delatou!!
Ou será que você é a delatação?
E agora, José?

Mulher Vã disse...

Hehehehe!
Post errado detected!!!