terça-feira, 5 de novembro de 2013

O açúcar mais doce


As promessas de eternidade são mais um desejo de prolongar a sensação e os sentimentos de um determinado momento do que a vontade de estar junto a alguém eternamente de fato.
As pessoas são metamórficas e as promessas são feitas quando estão entorpecidas de felicidade e cheias de conflitos ocultos. E a felicidade é tão transitória quanto nossas palavras.
Ao longo do tempo a gente vai perdendo os movimentos, como um brinquedo com cheiro de plástico novo que envelhece e é doado junto com outras sucatas, na esperança de fazer alguma criança feliz.
Com alguma sorte, são doados apenas porque envelhecem ou porque as crianças crescem e mudam o interesse. Basta que o tempo envolva os antigos donos com segredos e novas paisagens para que os brinquedos, mesmo inteiros, sejam descartados.
O descarte de um brinquedo não tira a importância do passado em que ele significou muito e nem a eternidade comportada em um sorriso ou em uma brincadeira de cinco minutos.
Ultrapassando a linha não muito tênue que nos separa das metáforas com brinquedos e dentro da lógica do Hugo Cabret, é raro chegarmos aos 30 sem faltar uma peça, ou sem reajustes, up grades ou super bonder prendendo um braço no tronco ou a cabeça no pescoço.
A gente se arrebenta entre as eternidades e a vida que transcorre em um universo que parece mais paralelo do que sobreposto, nos posiciona em lugares que não eram nosso destino inicial. A gente, sem perceber, vai se dilacerando aos pouquinhos e solta a mão do outro em partes importantes do caminho.
A gente dá a mão para outras pessoas, a gente se aventura e a gente retorna ao ponto íntimo de partida, procurando sentido para tudo o que fizemos.
É engraçado como juras antigas se transformam em disputas jurídicas por filhos, carros, casas ou panelas. Como beijos ardentes podem se transformar em hematomas no corpo, cortes no peito, sangue vertendo no quarto escuro ou num bar qualquer. Como uma assinatura no cartório num dia feliz de arroz e amor pode nos deixar apartados e desgastados pelo tempo, pelas mágoas, pelas palavras que dissemos e pelas que deixamos de dizer. Isso retalha nossos filhos, por mais que seja comum e corriqueiro.
Deixamos morrer uma coisa bonita e precisamos continuar, buscar outros significados e outras eternidades para caber numa pedaço finito do nosso coração. A ilusória expansão desse pedaço finito origina as promessas e promessas não podem ser cumpridas sem que estejamos habilitados e dispostos a fazer a manutenção do amor.
Onde não há manutenção do amor, crescem outras ervas, outras eiras, outras pessoas, novos conflitos e novos débitos e as promessas são destroçadas, viram pó, adubo para alguma outra flor crescer no solo da desilusão.
Onde o amor não é mantido, a eternidade tem a duração de um chiclete sem açúcar.

7 comentários:

Mulher Vã disse...

Levando em consideração a presente excelente e oportuna abordagem, devo dizer que para nós que somos finitos, a palavra eternamente deveria ser banida de nosso vocabulário, porque ela não cabe na efemeridade que da vida e quiçá, nossos sentimentos, que costumam ser metamórficos na maioria das vezes.

sblogonoff café disse...

Primeiro, um comentário: Excelente e oportuna abordagem! Hua kkk hahaha Tá bom!!!

Eu nem deixei você considerar!

Eu não acho que nós somos finitos.
Acredito em espaços finitos dentro de nós.

Na eternidade o finito nasce e morre diversas vezes.

O difícil é sustentar isso ao longo do tempo.

Vejo casais de idosos, pessoas que estão juntas há 50 anos e me pergunto: como elas fizeram isso?

Alvaro Vianna disse...

Eu não acredito em eternidade. Talvez por isso mesmo tenha mais vontade de crer no amor que dura até a morte. Se não há eternidade, é preciso uma crença forte o bastante para dar sentido a essa coisa finita que chamamos vida.

beijo

Mulher Vã disse...

Chiclete sem açucar é muito nojeinto!

ricardo aquino disse...

Eu gosto da ideia de eternidade, sei lá é algo terno, macio e envolvente. A eternidade balança cordas em dias cinzas, um lembrança de algo que foi bom ou ruim. Algumas lembrança seguem meus passos desde criança, como se fosse uma sombra invisível. Só tento me desfazer de resquícios de mágoa que acumulados são inflamáveis. O fim das histórias são determinadas, quase sempre, pelo enredo. As relações dependem de várias teorias de economia. A balança favorável ajuda demais na manutenção de um relacionamento. Mas, só por essa teoria, podemos tentar entender um pouco dessa complexidade que é um ser em convívio com outro ser. A balança desfavorável pode unir, uma dificuldade pode separar e unir e, só irá depender de duas coisas, de um e de outro. Deixa para lá!!! Deixa a vida desexplicar!!! Mas é bom especular...

Rafael disse...

Na minha opinião, se não o mais, um dos textos mais profundo que já escreveu. Parabéns Mi.
Impressionante como muitas coisas acabam se perdendo pelo caminho, né?

Rafael disse...

Meu skype: Rafael.galvao5, beijo!