quarta-feira, 20 de agosto de 2014

O ENCAIXE DO CORAÇÃO


Adoro caixas. Na última arrumação do quarto, precisei me desfazer de muitas caixas vazias que eu guardava para um dia guardar alguma coisa dentro delas, ou utilizá-las de enfeite de natal, no próximo natal.  Sempre quando o "próximo natal" se aproxima, eu nunca tenho tempo de enfeitar as caixas e então elas se acumulam vazias no armário.

Sinto alegria quando o moço do Sedex chama na porta e me entrega qualquer caixa, de qualquer tamanho. O que tem dentro pode até não ser pra mim, mas se a caixa puder ser minha, vou gostar. Se você puder me deixar abrir sua caixa, já será um prazer.Eu vou adorar ter mais uma caixa, porque ela é um universo de possibilidades!!! Significa uma expectativa boa, como comprar um notebook com memória de 100 terabites. 

Todas essas caixas vazias que continuaram em meu armário após o último rapa, denotam o acumulador voraz que mora dentro de mim, fruto de um cruzamento meu com o capitalismo genérico que me faz querer coisas sem sentido, sem utilidade ou desnecessárias. Acumulador que vem me desfazendo pouco a pouco, a cada caixa de par de tênis feito por crianças da Indonésia e eu sequer me compadeço com já fiz um dia, a cada vez que não detenho nem controlo meus cliques com senso ético diante das telas de LCD, que desconstrói uma Michele e remonta uma outra, com partes que talvez eu nunca tenha desejado que se encaixassem em mim, mas que agora me descrevem.

Num rápido escaneamento do que me tornei -  lendo notícias da vida de famosos e preterindo filmes do leste europeu - sinto a angústia de ter sido encaixotada, não como a Helena do filme, mas como todos nós, nessa caixa espaçosa e confortável, onde só é suportável existir se nos entorpecermos de drogas lícitas e ilícitas, de informações, de cliques por segundo, de paixão, de razão, de códigos de barra e de anestesia.  Quase nada tem nos bastado. Nos tornamos verdadeiros adictos.

O que não aniquila a esperança é o “quase”. Talvez essa seja a lacuna onde eu possa encontrar a peça que reverta o processo e me faça reaprender a pensar, que destrua essa preguiça consumista que me consome através dos anos. Envelheço e finjo que mudo o mundo enquanto na verdade estamos paralisados ou nos movendo em slow motion, infectados de insensatez até a última célula, tirando uma selfie sobre a derradeira caixa de um ex possível futuro presidente morto.

Cabe muito delírio num espaço pequeno.

10 comentários:

Anônimo disse...

Michele, leio suas publicações e adoro.

Anônimo disse...

Desculpa, não assinei.

Ass. Onça

Unknown disse...

Esse foi forte. Parece que a tal filósofa te marcou mesmo. Queria ter comentado antes, mas ando encaixotado por uma certa universidade. Estou respirando por um furinho agora, mas logo mais vem alguém tapá-lo. Libertar-me-ei mesocliticamente pela semana que vem, espero. Neste fim de semana lembrei muito de uma caixa em que me mantive por doze anos. Assustou-me a possibilidade de uma outra ainda mais hermética. Ainda bem que me cerco de amigas advogadas que certamente hão de conseguir-me um HC caso eu precise.

"The Boxer" poderia ser bem livremente traduzido para "acumuladora de caixas" :D

https://www.youtube.com/watch?v=XvVXtjmXBL0

Pensei também na supracitada Helena in the Box, esperando seu marido Jack, o londrino que também é mágico, do tipo que divide caixas: Jack in the Box Ripper.

Mulher Vã disse...

^Alvim se sentindo espirituoso ^
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Juro que esperei uma piada infame sobre a caixa preta do avião do cara morto.(toda a vez que alguém comenta como foi horrível aquela morte, faço uma expressão compungida e digo que ia votar nele, só pra ver a reação kkk)
(Momento mãe do Alvi: a Vanessa não presta! kk)

Também gosto de caixas. Vez por outra também tenho de fazer limpa no quarto para me livrar de tanta coisa acumulada para "vai que um dia precise", o diacho é que quando chega essa ocasião, nunca lembramos de que temos guardado kkk

A vida acaba sendo mais simples que ajuntar caixas, nós é que contraímos os esfíncteres esperando que um evento cataclismático sirva de desculpa para nos tirar da zona de conforto da nossa própria caixa.

Tem um filme ruim com a Cameron Diaz que chama The Box
Tem a Litle Box na voz da Nara Leão com melodia fofa, e significado nem tanto.


Vou parar porque já estou divagando...

Fica bem,
Beijos e obrigada pela oportunidade!



Mulher Vã disse...

Alias, o certo é "A Vanessa num vale nada", né dona Zilda? kkkkk

Unknown disse...

Quando a dona Zilda diz isso de alguém é porque vale muito pra ela.

sblogonoff café disse...

Pois é!
O corpus ainda é uma outra questão.
Também relacionada à caixas!
E talvez o remédio legal seja mais que um HC!

O mundo é cheio de caixas!
Tem até o Duque das Caixas!!
Não tem?!!rsrsrs!

Vã, obrigada pela oportunidade?!!
hahaha!!
Han?!

O problema é que é difícil sair da zona de conforto dessa caixa, porque quando você sai e vê que todo mundo que você ama preferiu ficar, ou você assume o risco da solidão ou você volta e aperta o dane-se.Vivemos em nossa caixa por várias razões e nem mesmo os tsunamis do mundo são capazes de mudar isso quando é assim que a gente se convence que o mundo é possível.

Talvez a gente ignore de propósito as outras possibilidades, porque em outro modelo de vida talvez não tenhamos tantas vantagens e as coisas pelas quais nós devotamos a vida começam a perder o sentido.
Isso nos diluiria.

Mas creio que se a D.Zilda disser que essa caixa não presta, é porque vale a pena morar numa bolha!!rsrsrsrs!!

Abraços!

Mulher Vã disse...

Hahahaha! Eu ia escrevendo pelos peixes mas vi que saiu uma oportunidade e não resisti. Suas piadinhas infames são diretamente proporcionais a capacidade que tenho de nonsense! kkk
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Sair sozinho da zona de conforto nem tem graça neam?!
Mas se sair, não volte! Lembra do conselho do Platão e tal...

Beijos!

Tempos de Aracne disse...

A realidade é cáustica e cruel. É preciso atrito, como esse que te levou a refletir neste post.
Você abriu e saiu da "caixa"? Ver as caixas alheias é fácil, por vezes divertido e interessante. Difícil mesmo é abrir a nossa "caixa", perceber várias outras lá e ter que descartar algumas ou a maioria.

ricardo aquino disse...

... e a caixa não se explica
senão àquele que a fuxica!
É muito bom te ler moça!