quarta-feira, 3 de abril de 2013

ASSUNÇÃO (PARTE 2)



Sou homossexual.
A única coisa que isso quer dizer é que romanticamente sou atraída por pessoas do mesmo sexo que eu.
Nada mais.
Isso não interfere em meu caráter, na filha que sou, na irmã que sou, na profissional que sou, na pessoa que sou e nem no meu papel na sociedade, no mundo.
Isso não quer dizer que uso bermudão, que coço o saco e que tenho toda a coleção de Ana Carolina e Adriana Calcanhoto. Isso não quer dizer que seja necessário estereotipar tudo como se tudo fosse a mesma coisa. Não é.
No meu caso, minha identidade se harmoniza com meu corpo, com minha condição. Amo ser mulher, anseio a maternidade, gosto do meu corpo e dos seus ciclos.
Eu não achei bonito gostar de mulher e decidi ir lá gostar. Ser homossexual não foi uma opção. Se eu pudesse optar, eu escolheria o lado mais fácil, mais convencional. Seria hetero, lógico! Iria me casar com um homem e não enfrentaria problema algum de ordem religiosa, psicológica ou política.
Não escolhi desejar e sentir. Escolhi orientar o meu desejo e o meu sentimento.
Mas...
Nem sempre foi assim.
Já namorei homens, já me apaixonei por homens, já me casei com um homem e há pouco tempo quase me casei novamente com outro homem. No intervalo entre esses homens surgiu um sentimento que se desenvolveu de uma forma muito dolorida dentro de mim.
Tal sentimento se tornou sensação, um desejo que na época eu pensava ter que aniquilar, embora minha vontade fosse de vivenciá-lo sem culpas.
Ah, a culpa... Filha da nossa compreensão pseudo-cristã da vida...
Ela nos faz metamorfosear de humano para extra-terrestre, nos torna uma anomalia, uma aberração.
Passei a acreditar que tudo o que diziam de negativo sobre a homossexualidade era verdade e passei a lutar contra toda essa vida que palpitava em mim, asfixiando com a mão algo que poderia ser bonito, mas que meus olhos enganados enxergavam apenas o pecado.
Circula na doutrina espírita (que agasalha meus anseios religiosos) a hipótese de que existe uma programação para nós e que se nasci homossexual, devo me esforçar para canalizar essa energia para algo Bom e Belo como a Arte e preferir a abstenção. Dizem também que numa relação sexual entre pessoas do mesmo sexo não existe uma troca de energias a que chamam de "retroalimentação", e que tudo o que é vivenciado entre homossexuais é desperdiçado energeticamente falando.
Munida deste pensamento, sufoquei quem eu era por anos, crente de que fazia a coisa certa. Frustrava homens e mulheres e a felicidade que eu almejava experienciar num relacionamento parecia cada vez mais distante e desbotada, algo utópico demais para quem eu estava me transformando.
Quando me casei com um homem, não objetivei criar uma fachada hetero para convencer o mundo. Eu acreditava no que fazia e talvez pudesse ter dado certo, não fossem outros problemas totalmente indiferentes à minha orientação sexual. Novamente solteira, o chamado não cessava. E eu cedi por algumas vezes... E feri pessoas que esperavam que eu assumisse o que era sem medo. Não fui capaz de assumir. Eu havia decidido lutar com unhas e dentes para ser a pessoa perfeita, sem fraquezas. Precisava canalizar, me envolver com a arte, trabalhar, trabalhar. Ou eu me absteria ou viveria como heterossexual. Ocorre que o chamado que antes sussurrava dentro de mim, agora berrava em megafones. Era obsessão ou trauma? Por quê? Por que?
Comecei a fazer terapia. Acreditei de todo o coração que se eu tivesse um casamento convencional, uma família convencional, eu estaria cumprindo com o que constava em minha imaginária "programação cármica". Acontece que ficou visível que meu esforço era um soco no estômago de quem queria me oferecer ajuda e amor sinceros e era uma sabotagem contra mim. Minha  auto sabotagem. Eu me tornava infeliz e não tinha condição de colaborar para a felicidade de ninguém com quem eu me envolvesse.
Olhava para as coisas belas que eu tinha e não conseguia plenitude. Era como se eu tivesse ganhado um carro importado lindíssimo e não pudesse pagar seus impostos.
Não, aquilo não podia ser o certo. O amor deveria fluir e ser natural. Deus não é essa represa.
Após anos, quando se tornou quase insustentável conter a gama de sentimentos que me invadia, decidi finalmente (não sem lágrimas) que o melhor era mesmo assumir quem eu era, assumir o que eu sentia e pensava e assumir as consequências de uma decisão dessa natureza, que são diversas.
Foi o que me libertou. Embarcar me libertou. Decidir embarcar me libertou.
Na mesma doutrina em que alguns posicionamentos me fuzilavam e fuzilavam a tantos como eu que com o coração aberto empreendiam lutas quixotescas contra os próprios sentimentos, encontrei apoio, alento, consolação e esclarecimento.
Não. Não sou uma aberração. Não sou uma anomalia como um trevo de quatro folhas ou um sexto dedo na mão.
Sou um ser que ama. Não reduzirei à simples bolha genital a energia mais poderosa do universo que destrói e cria mundos inteiros. NÃO. Não vou me abster e construir hipocritamente uma máscara que não tenho condição de sustentar.
Porque sou filha de Deus e Ele vibra em mim como infinito, como AMOR.
Quando amo, posso expressar o deus que há em mim, posso ver que a felicidade é um jeito de andar e posso plantar e colher flores.
Porque existe amor em mim e isso é tudo o que de mais valioso eu posso ofertar ao mundo.
Minha opção é amar.
E o amor, como diz cumpade meu Quelemém, o amor possui muitos caminhos...
*
*
Eu tive a sorte de viver esse processo rodeada de pessoas cheias de luz.
Agradeço à toda minha família que me aceita e me ama exatamente como sou (pai, pela coisa toda incondicional, mãe, pelo esforço que fez para destruir e reconstruir conceitos, Jane Canoa por sempre ter entendido sem eu ter que explicar), ao psicólogo Luiz Benigno, ao Emmanuel (sim, o espírito!!) aos doutores Andrei Moreira e Gibson Bastos pelo esclarecimento consolador, ao Max (cumpade meu Quelemém) por toda a luz do conhecimento que propaga, ao amor que me salva do Luiz H e da Vã (incondicionais), da Ieda, Caio, Sergitos e Marcelita, da Bia e Cia (família escolhida), do pessoal do Caminheiros do Bem, do Alvim, do Costinha e da Dani, do Adelino, da Patrícia e da Janice, e finalmente agradeço à Gabriela por abrir meus olhos e me fazer enxergar que a liberdade e a felicidade pulsam na simplicidade do Amor Vivido.
À você dedico a canção final!!!

Quando Fui Chuva
Luis Kiari e Caio Soh

Quando já não tinha espaço, pequena fui
Onde a vida me cabia apertada
Em um canto qualquer acomodei
Minha dança, os meu traços de chuva
E o que é estar em paz?
Pra ser minha e assim ser tua

Quando já não procurava mais
Pude enfim nos olhos teus, vestidos d'água,
Me atirar tranquila daqui
Lavar os degraus, os sonhos e as calçadas

E assim, no teu corpo eu fui chuva
Jeito bom de se encontrar
E assim, no teu gosto eu fui chuva
Jeito bom de se deixar viver

Nada do que eu fui me veste agora
Sou toda gota, que escorre livre pelo rosto
E só sossega quando encontra tua boca

E mesmo que em ti me perca,
Nunca mais serei aquela
Que se fez seca
Vendo a vida passar pela janela

Quando já não procurava mais
Pude enfim nos olhos teus, vestidos d'água,
Me atirar tranquila daqui
Lavar os degraus, os sonhos e as calçadas

E assim, no teu corpo eu fui chuva
Jeito bom de se encontrar
E assim, no teu gosto eu fui chuva
Jeito bom de se deixar viver.

10 comentários:

Anônimo disse...

AMOVOCE.com.br que me fez chorar com esse post sua boba... =P

GFP ;)

Mulher Vã disse...

Viu. É só a Dani Mercury sair de vez do armário que as coisas começam a movimentar por aqui!!! hehehee

O mais incrivel é quando a pessoa conta aos amigos e parentes sobre algo tão intimo e ouve em resposta dizerem que super virou modinha as pessoas se tornarem gays hoje em dia.

Tsc!

Mas, ninguém se torna gay de uma hora pra outra gente!
Isso é processo interno, um desejo que já está com a pessoa...independente de quando ela o descobre, poxa.
Antes fosse opção...
Isso simplificaria muita coisa, sabe!

E olha, preencher estereótipos é o de menos.

--
Por um tempo achei que você nunca teria essa coragem que vem demonstrando, cheguei até a sentir algo com um desprezo, porque eu te via lutar contra o que poderia ser sua assunção e se auto escravizar.
Mas como fiquei docemente surpreendida ao te ver parar de esmurrar facas e fazer o caminho inverso, percebe que é menos dolorido?

Me sinto incrivelmente feliz, por você estar finalmente encontrando os eixos de paz.

Aceite minhas palmas lentas e de pé.

Fica bem


Vã.

Bia Farrer disse...

Irmã,
Eu falei láááááááá no começo uma coisa que vc ainda deve se lembrar: "Nos apaixonamos por pessoas e não por homem e mulher".
A Gabi é exatamente essa pessoa e está fazendo você feliz. Mais do que isso, está fazendo a Michele reconhecer quem ela é, com todo o potencial, conquistas e atitudes de uma mulher forte, determinada que agora só vai canalizar a força que antes era a dor, para as conquistas da vida.
Sempre defendi a bandeira do que o que é feito entre quatro paredes, não nos faz mais ou menos merecedores da Felicidade e do Amor.
Como família escolhida, só tenho a pedir a Deus que você seja feliz. É a minha alegria ver você bem. O resto, é como usar a unha do mindinho ou um grampo de cabelo para cutucar a cera do ouvido: tanto faz!
Amo vc, irmã interplanetária!

Anônimo disse...

hahahahahahhaha tenho q deixar meu dedinho aqui tb... já que sou citado nesta passagem (que por sinal não é pequena).

fico felizão por vc, que deus lhe dê força, pq se não a Gabs terá mais kkkkkkkkkkkk brinks

Mas é isso ai, te vejo como uma corajosa, nem todos conseguem, na verdade são poucos os guerreiros.
queria que as meninas heterossexuais tivessem a metade da mulher que existe em vc.

Te adoro de montão

bjão

Amigo do PH kkkkkkkkkkkkkkkkkk

Alvaro Vianna disse...

O nosso segundo assunto predileto. Mas você deve saber que me satisfaz muito mais a revelação de que a paixão é fundamental. Ganhei!!! Ganhei nada. Porque não há mulheres hetero como você.

Origami disse...

Já a tempos não visitava nosso café e venho e me deparo com um post desses.
Não tenho palavras pra descrever a felicidade que sinto por você ter encontrado a felicidade. Isso pra mim é libertação, o resto é coisa do ser humano - querer complicar demais o que é muito simples. Não há nada mais puro e simples que o amor.
Amor não tem cor, não tem raça, não tem credo. É simplesmente amor.
E se as pessoas não conseguem ver a face de Deus, ou Deusa, ou qualquer outro Ser Superior nesta simplicidade, continuarão eternamente vazios, sempre na rasa busca por algo que nunca compreenderão.
Estou muito feliz por você, minha querida amiga, por ter se encontrado.

Anônimo disse...

Apóio em 110% !!!

Abração e beijo para a menina das estrelas!!!

LuizH

Elga Arantes disse...

EU JÁ SABIA HÁ MAIS TEMPO, MAS "OUVIR" VC FALAR DESSE JEITO LEVE E DESAFIADOR, AO MESMO TEMPO, FOI DIFERENTE.

TODO HOMO DEVERIA LER ESSE TEXTO SEU. TODO HETERO DEVERIA SENTIR ESSE TEXTO SEU. TODO MUNDO DEVERIA REVERENCIA-LA AO LER ESSE TEXTO SEU.

SINTA-SE ACOLHIDA PELA MINHA AMIZADE VIRTUAL, DISTANTE, INFREQUENTE, MAS PERENE.

ADMIRO MUITO VC, SUAS IDEIAS, SUA SENSIBILIDADE, CORAGEM, SINGULARIDADE.

BEIJOS DE EVEN!

Unknown disse...

Qualquer maneira de amor vale a pena, qualquer maneira de amor valerá!

Anônimo disse...

É Michele, realmente você é uma pessoa brilhante. Gostaria de estar mais perto de você.

Amo você de montão!!!