quarta-feira, 15 de maio de 2013

CANÇÕES PARA CHAMAR A CHUVA


Provavelmente
não sou o tipo de pessoa com a presciência felina
que protege o coração porque prevê o golpe.
Se apenas por algum acaso eu antecipar seu movimento,
rezarei pra que ele mude e se torne um afago ou um aceno, quem sabe?
E mesmo que ele se perca no nada, no que poderia ser e não foi,
 haverá um ganho, um alívio, uma graça.
Acho graça no mundo mesmo quando ele cospe, mesmo quando escorrego no lodo
e ostente após, um hematoma no corpo
Não é felicidade o que sinto, uma felicidade de hiena, dispersa de sentido
É mais uma certeza que dispensa senhas e logins,
que não precisa ser iderrogável nem absoluta.
Certeza de que as coisas são cheias de obediência.
Isso me enche de paz e paz é quase felicidade.
Colocaram um manifesto anarquista na porta e
mesmo assim as coisas obedecem, zombam dos manifestos.
A ordem está na impressão digital de tudo.
Tudo se reveste de cadência e ritmo e produz música.
O universo inteiro é uma sinfonia.
É a subversão do movimento e isso me deixa deslumbrada.
Você não ouviu, não ouve?
Chama de ingenuidade, porque eu acredito,
mas eu lamento sua surdez
e aguardaria seu golpe como aguardo o espirro,
mesmo que ele desista e me faça lacrimejar sem nunca ter sido espirro de fato.
Eu sei que ele quis, eu o senti, mas fica entre nós e meus olhos molhados.
Insisto no sorriso, embora você va me ver chorando algumas vezes.
Quando dói, eu sei chorar.
Quando dói eu reclamo e quero atirar também.
Quero sair pregando manifestos, revelar a ferida,
Expor a carne e a nudez da alma,
matar a chineladas as moscas que rondam,
fazer você sentir que pode doer em você
com a mesma intensidade que dói em mim...
Mas você tem um sistema nervoso central e o meu sistema é suburbano.
Vejo suas pernas inquietas e isso não me irrita como lhe irrita quando são as minhas.
Suas pernas também obedecem, marcam o compasso frenético
 e embora eu não possua a presciência dos fatos, antevejo com todo o meu estômago
o efeito das palavras e sentimentos que estão em você em estado gestacional.
O chão é um tamborim.
Pressinto uma canção prestes a emergir.

E certas canções, eu bem sei, são para chamar a chuva.

4 comentários:

Anônimo disse...

Tem a chuva que acalenta, que renova...
Tem a chuva que incomoda...
Mas está chovendo!!!
Melhor que o tempo morno e indeciso.

Abraço.

LuizH

sblogonoff café disse...

É que na chuva precisamos de proteção, caso queiramos nos manter secos!
E venta...
E pinga...
Os inevitáveis efeitos da chuva pra quem esqueceu o guarda-chuvas em algum lugar!!!

De qualquer forma, é sim, melhor do que o tempo morno e indeciso!!

Mulher Vã disse...

"A dor. Você só tem que sobreviver a ela, esperar que ela vá embora sozinha, esperar que a ferida que a causou, cure. Não há soluções, respostas fáceis. Você só respira fundo e espera que ela vá diminuindo. Na maior parte do tempo, a dor pode ser administrada, mas às vezes ela te pega quando você menos espera, te acerta abaixo da cintura e não te deixa levantar. Você tem que lutar através da dor, porque a verdade é que você não consegue escapar dela e a vida sempre te causa mais."

GReys Anatomy 2x5, Comentário final.

sblogonoff café disse...

É inevitável citar Greys...
Assim como a dor é inevitável.
Mas não é exatmente a dor, mas o que fazemos pra não sentir, pra nos preparar...
E o que sentimos só de saber que ela virá...
Uma pré dor que igualmente dói.