sexta-feira, 9 de agosto de 2013

--- A SOLIDÃO VAI ME MATAR DE DOR --- (1º da série A 4 MÃOS)

                                                               
Era um barulho de chave destrancando a porta, antecedendo aqueles passos curtos.
Era um escuro e frio sentimento a rodear o corpo inerte, a cama.
Era ela ali, enquanto ele entrava.
Nenhum dos dois sabia explicações, mas ele ainda ousava questionar.
Já para ela o destino é fato. Se entregaria sem reclamações.
A velha angústia já não existia, pois embora não soubesse como, há tempos descobrira o porquê.
Ele, aflito, consultava a ciência, a medicina e todos os pajés.
Sua esposa desaparecia: um dia as mãos, em breve, o braço, o tronco.
Perdeu a perna esquerda e um dos pés.
A urgência o acometia, queria ter a fórmula alquimista pra desvendar o mal e o reverter, trazer de volta a mulher que havia: era tão mansa e a vida resolvia.
Café na mesa, almoço e jantar. A casa limpa e sempre perfumada.
Os filhos que nunca puderam ter.
As tentativas e as tentações que ele costumava atender.
Agora tudo isso era nada.
Enquanto ela, nada se tornava. Ali na cama, ali sem ter razão.
Nenhuma lágrima, nenhum lamento.
Ele sofria de arrependimento e ela era a resignação.
O vento veio soprar da janela e dentro dela a solidão passou.
Era o instante breve e derradeiro:
- Meu bem, farei de tudo o que puder.
Já o silêncio dela era cortante e aquele corpo, esboço de mulher
Ele dizia, mas tinha certeza que não havia muito o que fazer.
Tocou em seus cabelos com ternura e lentamente fez um cafuné.
Ela sentiu certo vigor na alma e seu semblante então se alegrou.
Pretendeu ele segurar o tempo, confessar os erros e se redimir.
O tempo nunca para e as confissões não tinham o poder de reparar.
Era chegada a hora de partir.
A despedida foi um benefício para impedir seu enlouquecimento.
Ele não soube por um só momento porque a moça desaparecia.
Se soubesse, o que ele faria?
Se lembrasse de todas as vezes em que ele a tornara invisível.
O seu desdém a um amor incrível e a todo zelo que ele recebeu, causou na moça estranha doença de sintomas significativos.
Aquele moço entrou em desespero, buscou a cura em todos os lugares, pensou em morte, em mudar de ares, mas não pensou exato o que devia. A culpa o açoitava toda noite. O remorso vem durante o dia.
Sua esposa era seu espelho, seu casamento, um tipo de magia.
De novo olhou e ela ia embora. O sorriso desapareceu.
Ele soube o que perderia e pensou em lhe pedir perdão por não amá-la.
E ela sabia.


Série A 4 MÃOS é um desafio onde alguém sugere o tema e o outro escreve. Nesse texto, a sugeriu o tema e eu escrevi. Eu já a desfiei a falar sobre um contador que na proximidade da aposentadoria resolve mudar de vida... Vamos ver no que dá!!!! Aceita-se desafios!!!

12 comentários:

Mafê Probst disse...

Triste isso de pedir perdão por não amar uma pessoa =\

Rafael disse...

"Era ela ali, enquanto ele entrava."
Nome de filme, ou curta, hein?! muito bom o texto.

Alvaro Vianna disse...

Uma história que eu conheço bem. Com a diferença que após ela sumir-se por inteiro, ele descobriu que era o amor de sua vida.

Mulher Vã disse...

Por Grayskull!
Que ideia supimpa, que roteiro massa. Se eu e esse texto tivéssemos facebook, eu o curtiria a valer!!

Sempre que vejo ou leio coisas que o autor deixa por conta do leitor/ expectador decidirem o que realmente aconteceu à historia e aos personagens, tenho duas emoções antagônicas, vontade de beijar ou bater no autor! Hahaha, é verdade, porque que estamos mal acostumados com coisas mastigadinhas, roteiros fáceis, historinhas previsíveis, ninguém discorda né.
Mas quando se vê algo que por ex. você que tem de decidir se a Lindonéia do texto desapareceu porque não suportou a indiferença do marido, começou a levar as coisas de pouco pra casa da mãe dela, um dia era o cinzeiro, no outro o sofá, depois o gato...
Ou talvez de tanto ser deixada a deus-dará, ela resolveu
criar um perfil no Badoo e lá conheceu alguma paquistanesa radicada no Brasil e fui com a moça de uma hora pra outra pra Palestina, é bem possível e bem mais agradavel que a ideia da garota a cada dia ver desaparecer um membro do corpo e não dá a minima pra isso! Aí da vontade de bater na autora porque ninguém quer decidir um fim desses, por mais poético que seja.
Aí você ler e pensa: afinal, a Capitu traiu ou não, ohn gente eu gostava da Capitu, ficava imaginando aquele olhar de ressaca, de mar, porque senão, a amada do Bentinho não ia passar duma pé inchado qualquer das ruas boemias do Rio de Janeiro do Machadão que nem existe mais, é bom dizer! [nem o Machado nem o Rio...]Bem que o Bentinho mereceu, era bom que ela tivesse mesmo pegado o bombado do Escobar.

No caso do texto aqui, a gente lê e sente uma espécie de veneno do tipo: "bem feito, quem mandou", não porque ele não a amasse de verdade, mas porque ficou enganando a coitada. Aí só quando ela "desaparece", é que o cara da conta das coisas? Qual é cara, merece um chifrão bem tomado, alias merece mesmo que sua mulher fuja com a paquistanesa! Rum.

Mulher Vã disse...

Fugiu e não fui [na décima linha]. Que fique claro!

sblogonoff café disse...

MF... É triste não amarmos, seja quem for. Pior ainda é na esfera romântica quando falta a reciprocidade. E quando a ausência de amor exclui outros sentimentos importantes como o respeito, a compreensão, aí é mais triste ainda.
Há poucas tristezas maiores do que ferir alguém que te ama. Talvez... Ser ferido doa mais, mas a outra traz o remorso de brinde...

***
Curta brasileiro!! Acho que um nome americano correspondente seria Evanescense!! RSrs!

***
Eu não acredito muito que ele descobriu que a amava. Para mim o que ele sentiu foi dor de remorso por tê-la aprisionado tantos anos num relacionamento onde não havia amor. Culpa por tê-la feito sofrer.
Mas se ela estivesse viva e inteira, acho que ele iria continuar sem perceber.
No leito de morte, muita coisa parece amor...

***
Cê viu? Ideia maluca, isso sim!! Uma mulher que some... tsc tsc...
Rsrsrsrs!
Taí, Vã, primeiro desafio completo.
Escrevi o texto em cadência, acentuando as tônicas. Dá até pra batucar, se quiser!! Batucar a valer!! hehe!

Sabe, passei anos sem gostar de Machado de Assis pela sensação que ele me deu... Na época eu queria que existisse teste de DNA pra gente saber com certeza de quem era o filho. E por anos a gente ficou sem saber qual era o caráter de Capitu. E por anos eu fiquei sem entender que ressaca era o movimento do mar quando volta, e não dia que sucede o porre.
Mas bem que gosto um pouco de textos com entrelinhas... Mas não muitas.

E... Sei lá... Não sei se eu tô, mas o Paquis tão!!!

Spock spock spock spock me arruma um trabalho menos estranho...
(Vide Pato Fu!!)

Mulher Vã disse...

Acredito que o Machado foi um dos precursores nacionais das entrelinhas!
O Alvi pode dizer...

Alvaro Vianna disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Alvaro Vianna disse...

Seu blog tem fuso horário. Aqui em Sampa são 19:35.

Alvaro Vianna disse...

Machado já valeria a pena pelas linhas. Pura magia na construção das frases. As entrelinhas são um bônus mais do que especial.

Mulher Vã disse...

É porque ela está em Londres, Reino Unido, lá agora são 13:00, diferença de 4 horas daqui, mentira, o SC é mineiro...

sblogonoff café disse...

Eu moro em Botswana