terça-feira, 11 de agosto de 2015

Eu não tenho mais medo do escuro


Agora eu era o herói sem batalhas sangrentas ou cavalos poliglotas.
Enfrento outra natureza de adversários e reverencio os alemães por todas as coisas belas que eles trouxeram pro mundo.
Já não acho mais que a gente seja obrigada a ser feliz por hoje ou feliz para sempre...
Só não se pode perder a ternura.
Escutei a vida no meio do frio que fazia ali e ela me contava uma história. Uma história que insisti em procurar n`alguma linha da minha mão, sem sucesso. Não sei ler as linhas inscritas em mim, o que dizem, o que ocultam tão obviamente na superfície da palma.
Também não sei te dizer quando foi que parei de acender todas as luzes da casa para andar de madrugada até o banheiro.
Eu simplesmente estava ali, sem orações, sem aflições, no escuro.
Olhei a foto de um bebê e constatei que eu já nem tinha mais tanta vontade assim de ser mãe. Houve um tempo que até doía não ser.
Parei para tentar ouvir as células em movimento no meu corpo, transformando quem eu era na mesma pessoa de sempre.
E sabe o que eu ouvi? Meu estômago.
Ouvi também o ponteiro do relógio se movendo, ouvi algum móvel estalando e possivelmente o barulho dos fios que se embaraçam sozinhos na calada da noite. Com esses ruídos, um sorriso de Monalisa foi esticando minha boca, me fazendo reverenciar o presente, porque nesse momento eu não tenho mais medo de escuro.
A parede que era branca, agora é azul.
A mesa da copa é outra e até o quadro mudou. As lagartas mudam, os girinos mudam.
Abri um livro ao acaso, consolando a insônia. Havia um papelzinho dentro, algo de Luther King, um pequeno afago nas coincidências da estrada:

"Nós não somos o que gostaríamos de ser.
Nós não somos o que ainda iremos ser.
Mas não somos mais quem nós éramos."

Os azulejos do banheiro são os mesmos do tempo de minha avó.
Mas eu, com certeza, não sou.

4 comentários:

Anônimo disse...

Nem os azulejos são os mesmos. Estão cheios de histórias para contar! O tempo leva um pouco do encantamento,mas deixa as marcas,e elas falam por si mesmas.

Tempos de Aracne disse...

Este post me lembra "João e Maria", a música.

Tempos de Aracne disse...

Este post me lembra "João e Maria", a música.

Anônimo disse...

Ai, que lindo esse texto, poxa!

Melancólico, de um jeito bonito, como boas lembranças do que já não somos, e o que sabemos é o agora, é só o que temos. Já o amanhã, é enigmático como o sorriso da Monalisa.

Mulher Vã